O baixo crescimento do início deste ano resultou, essencialmente, da aceleração da inflação de alimentos. Tomando abril como referência, esses preços subiram numa base anual entre 14% e 19% nas principais capitais brasileiras e em todas as regiões.
Esta elevação decorreu da quebra da safra global de grãos do ano passado, da explosão dos custos de transporte, de custos de materiais, mão de obra e, finalmente, do resultado de uma grande seca que até hoje afeta a região Nordeste do Brasil. A redução dos impostos da cesta básica implicou numa queda muito modesta, e única, da alimentação.
O efeito deste fenômeno nos orçamentos familiares foi devastador. Simplesmente, o consumo de outros bens foi comprimido,levando ao fraco crescimento do comércio e a uma expansão próxima de zero do consumo, como se viu no cálculo do PIB do primeiro trimestre. Tenho convicção de que parte da explosão de críticas que atualmente vai para as ruas decorre da compressão do consumo, mesmo com o desemprego em nível baixo.
Como as exportações estão muito fracas e as importações fortes, o comércio exterior também derrubou parte do crescimento. Finalmente, os investimentos seguem fracos. Tirando o efeito da grande safra agrícola, que elevou a demanda por tratores, colhedeiras e caminhões, o resto está fraco, como atestam os dados e declarações da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).
Com isto, consolidou-se, antes da decisão do Fed (Federal Reserve, o Banco Central americano) e do início das passeatas, a percepção de que o crescimento do PIB deste ano será modesto (2,5%) e que a inflação seguirá próxima ao topo da meta. Naturalmente, após essas duas semanas de volatilidade e incerteza, o crescimento sairá ainda mais prejudicado.
Pressão. Entretanto, antes de tratar desta questão, gostaria de chamar a atenção para o fato de que os alimentos seguirão pressionando a inflação, mesmo com uma boa safra aqui no Brasil e, talvez, nos Estados Unidos.
Comecemos pelos grãos, onde a recuperação da produção é a mais expressiva. Ainda assim, os preços internos estão se sustentando (milho) ou subindo (soja), tendo em vista a escassez do produto no curto prazo nos EUA e a recente desvalorização do real. Para os produtos no varejo, temos ainda a pressão dos fretes, a elevação dos custos de mão de obra e materiais.
Além disso, as exportações de soja estão crescendo muito rapidamente, o que abrirá espaço nos portos para o milho, a partir de setembro, dando suporte maior aos seus preços.
Outros produtos importantes também estão pressionados: o leite vem subindo, devido a uma forte pressão dos preços internacionais, resultado da demanda da China e outras localidades. O arroz sobe como resultado de uma safra relativamente modesta. O trigo tem também uma pressão internacional e no atacado já subiu 50% neste ano.
A desvalorização do real também melhora os produtos derivados da cana. Apenas o café sofreu uma forte queda nas cotações internacionais que e refletem no mercado doméstico.
Em resumo, vai ser muito difícil que a inflação neste ano saia da faixa de 6,0% a 6,5%, até porque a desvalorização do real também elevará os preços de outros produtos que compõem o custo de vida.
Entretanto, o quadro inflacionário para 2014 poderá estar um pouco mais folgado, tendo em vista a redução que certamente teremos na taxa do crescimento econômico. De fato, tivemos nos últimos 45 dias uma forte deterioração na conjuntura econômica, decorrente dos seguintes fatores: - Acelerada piora na balança comercial e na conta corrente.
Neste caso, nossa projeção,e de outras instituições, é de um número da ordem de US$ 78 bilhões, colocando pressão para desvalorização do real.
- A decisão do Banco Central americano de sinalizar uma mudança na política monetária americana, antes do final do ano, acentuou a perspectiva de valorização do dólar em relação a todas as moedas. Embora isso seja bom para o Japão ou para a Europa, produz um enfraquecimento da maioria das moedas emergentes. No caso do Brasil, esse fator externo soma-se à piora nas nossas contas externas e é por isso que o real foi a moeda que mais caiu nestes dias recentes. Acho, hoje, quase impossível projetar o valor do real frente ao dólar nos próximos meses. O que se pode dizer é que o câmbio mudou de patamar e que dificilmente voltará para a faixa de R$ 2,10/R$ 2,15 por dólar - A política fiscal continuou impavidamente expansionista, como atesta o lançamento do programa de compras de eletrodomésticos e móveis, em complemento ao Minha Casa Minha Vida, bem como, a emissão de aproximadamente R$ 15 bilhões em títulos do Tesouro para a Valec, o BNDES e o sistema elétrico.
- Como consequência, os juros de mercado explodiram, como há muito tempo não se via.
Acredito que a nova percepção de incerteza política, decorrente das grandes manifestações de rua, tenha tido alguma influência neste movimento.
Juros.É, pois, inevitável que a política monetária seja mais robusta e que o juro suba de forma acentuada nas próximas reuniões do Banco Central.
Não é fora de propósito que a Selic atinja 9,50%/9,75% no final do ano, piorando as condições de crédito. Ao mesmo tempo, as empresas com qualquer tipo de passivo externo, comercial ou financeiro, verão seus balanços piorarem muito. O mercado de crédito irá na mesma direção, ou seja, os empréstimos serão mais contidos e caros e as insolvências aumentarão.
Tudo isto leva a um crescimento menor. É provável que o PIB de 2013 seja inferior a 2%, resultado que se repetirá em 2014. Aí a inflação poderá vir abaixo de 6%.
O mais importante resultado destes acontecimentos é consolidar a proposição que estamos mesmo presos a uma armadilha de baixo crescimento, da qual não temos perspectiva de sair no curto prazo.
P.S.: Os eventos recentes pulverizaram duas ideias favoritas no governo: a de que a popularidade não cairia enquanto a taxa de desemprego não se elevasse e que haveria uma nova "matriz macroeconômica", onde o juro real muito baixo seria peça fundamental. No primeiro balanço do barco, a tal matriz afundou. Talvez seja necessário um pouco mais de humildade antes de apregoar que se desenvolveram novos modelos de crescimento. Continuo achando que "Crescer não é fácil", título do livro que englobou os dois primeiros anos desta coluna.
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