O ESTADÃO - 23/06
Falácia a alegação de governantes, partidos e políticos em geral de que não estão entendendo direito a razão das manifestações. Sabem muito bem do que se trata. Só estão – como de resto todo mundo – intrigados com o fato de a coisa ter surgido assim, supostamente “do nada”, com adesão impressionante.
Na realidade surgiu e se alastrou em decorrência “do tudo”. Mal explicada mesmo estava a discrepância entre o registro de satisfação nas pesquisas e a insatisfação dos que, no cotidiano, se perguntavam por que não havia reação aos desmandos em série. O que, afinal de contas, estava assim tão bom se o custo de vida sobe e o Estado não faz a sua parte?
O recado está dado, a mensagem perfeitamente captada principalmente quando as manifestações mais contundentes ocorrem depois de prefeitos e governadores anularem aumentos em tarifas de transportes coletivos. Atordoados pelo barulho improvisaram um lenitivo que, como se viu, não satisfez.
Agora, completadas duas semanas desde o início dos protestos, seria hora de começar a pensar em deixar de lado entusiasmos e aturdimentos para abrir espaço à objetividade. Olhar, primeiramente, com frieza para a violência que emerge em todos os atos, salvo raríssimas exceções. Se o Estado não pode ficar inerte diante de depredações – até porque hoje se agride o patrimônio amanhã podem ser agredidas pessoas –, cabe à polícia distinguir a quem dirige a força e modular sua aplicação.
Não se pode também desconhecer que, ao contrário de movimentos com direção nítida que têm seus próprios métodos de proteção, esse nascido da espontaneidade não dispõe de instrumentos para se defender de provocadores. Tal defesa é importante para que a violência não passe a ser a questão central, deixando as demandas em papel secundário.
Outro dado é a administração da hora de parar. Conveniente seria fazê-lo no auge, a fim de que não se perca a eficácia da mensagem. Considerando a impossibilidade de as ruas ficarem ocupadas indefinidamente, mais cedo ou mais tarde os protestos vão arrefecer. A natural retirada, porém, precisa ser feita de modo que não seja confundida com desmobilização dos propósitos que motivaram o despertar da apatia.
Essa pasta de dente não volta ao tubo. A relação entre Estado e sociedade não será mais a mesma. O PT pensará duas vezes antes de trocar afagos com um ex-presidente posto para fora por vontade manifesta nas ruas que agora se fazem de novo ouvir. O Senado pensará duas vezes antes de eleger um presidente obrigado a renunciar dois anos antes acusado de pagar despesas particulares com dinheiro de empreiteira. A Câmara pensará duas vezes antes de brigar pela preservação de mandatos de condenados por corrupção e assim por diante.
Quais os termos da renovação do contrato entre representantes e representados ainda é impossível vislumbrar, mas é inevitável que a diferença se expresse com nitidez na campanha eleitoral de 2014. O rumo depende de como reagirão os alvos do grito de chega. O principal deles, não há como negar, os governos, primordialmente o federal. É ele o dono da pauta nacional cuja amplitude não lhe apaga a nitidez. As cobranças estão ditas. Algumas são objetivas, outras implicam mudança de procedimentos. Em todos os Poderes.
Não dará uma boa resposta a Presidência da República se tergiversar, procurando socializar o prejuízo. A desmoralização é geral, de fato. Mas o problema real não se enfrenta transferindo obrigações, mas assumindo-as.
A revolta é dirigida a “tudo isso que está aí”. Ao governo, contudo, cumpre apresentar as soluções, dar a direção. À sociedade cabe não se deixar enganar. Perceber que culpar a todos equivale a cobrar responsabilidade de ninguém.
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