A ausência de convicções num homem público sempre traz preocupações. O novo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, passou ao País essa impressão ao dizer que não seria cumprida a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que cassou o mandato de quatro deputados. Alegou que caberia ao Legislativo a prerrogativa de dar a última palavra. Mas um dia depois deixou claro que inexiste a possibilidade de não ser cumprida a decisão do Supremo e que não haverá confronto.
É bem possível que entre um dia e o outro alguém tenha soprado nos seus ouvidos esta informação: "Presidente, cuidado, existe no Código Penal (artigos 330 e 359) a figura do crime de desobediência, que se configura nos casos de descumprimento de ordem judicial". Talvez também lhe tenham esclarecido que o Supremo já decidiu, pacificamente, que "o destinatário da ordem judicial não pode descumpri-la, ainda que invoque precedente do STF" (STJ, RHC 2.817). Alves havia posto em dúvida a decisão condenatória do mensalão ao argumento de que quatro ministros votaram em sentido contrário.
Quando for intimado da decisão do STF, logo após a publicação do acórdão, Alves terá de mostrar qual é o seu real entendimento. A impressão que ele deixa, com sua ruim biografia, marcada mais pela esperteza pessoal do que por gestos de grandeza em favor do País, é a de que não tem mesmo ideia do respeito que todos devemos às decisões judiciais.
Rui Barbosa, o grande defensor do Direito e das liberdades, costumava dizer que "uma sentença é uma sentença; não pode ser julgada por outro Poder. Será desatendida; poderá ser violada, desrespeitada; mas não pode ser julgada". Se ceder à pressão do PT, Alves estará protegendo o crime e aqueles que o praticaram, ou seja, José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, todos condenados por lamentável conduta criminosa.
Da forma como as coisas caminham na Câmara dos Deputados, o tempo continua ótimo para algumas pessoas que se sentem acima da lei. Realmente, os deputados federais condenados, mais José Dirceu, encontram-se na condição de pessoas diferenciadas, não alcançadas pelos efeitos das condenações.
Mesmo tendo os seus direitos políticos cassados, os deputados estão a exercer os mandatos e isso se mostra inadmissível. O Congresso Nacional tem, sim, o poder de ele próprio julgar e cassar o mandato de deputados federais e senadores, mas em circunstâncias especialíssimas, como no caso de ilícitos penais e administrativos lá investigados (a recente cassação do mandato de um senador deixou isso muito claro).
Mas quando se trata de crimes horripilantes, apurados e julgados pelo STF - caso do mensalão -, o dever do Congresso é cumprir a decisão da Suprema Corte e afastar de imediato os parlamentares. Como pode um deputado federal que perdeu os direitos políticos, além de condenado pelo crime de corrupção, participar do processo de elaboração de leis?
Em verdade, o Congresso Nacional é hoje dirigido por duas agremiações partidárias claramente anestesiadas: o PT, pela embriaguez que a farra do dinheiro público proporciona, e o PMDB, pelo desejo incontrolável e insaciável de se manter no poder a qualquer preço. É um casamento perfeito, que nenhum religioso teria a coragem de abençoar.
Pelo disposto na Constituição federal do Brasil, o Poder que executa as leis não julga nem as elabora, o que aprova as leis não as executa nem julga e o que julga não executa as leis nem pode criá-las. Esse equilíbrio notável, fruto da evolução da humanidade, está ameaçado pela força de interesses partidários e pessoais com a marca da mesquinhez.
Em países como Estados Unidades, Alemanha, França, Japão e tantos outros, um deputado com os direitos políticos cassados, condenado por corrupção, formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro jamais poderia exercer o mandato que o povo lhe atribuiu. Somente aqui, ao pretexto de preservar a vontade do eleitorado, os referidos condenados permanecem acima da lei.
No dia em que o Senado elegeu Renan Calheiros seu presidente, o senador Fernando Collor de Mello, seu igual, com o conhecido despreparo, chegou a dizer, bastante inflamado, que o eleito já fora julgado por aquela Casa, como se esse órgão, quebrando o princípio da autonomia e liberdade dos Poderes da República, pudesse julgar alguém. Ameaçador, com aquela valentia típica de Lampião, Collor chamou de "chantagista" o procurador-geral da República, porque este tão somente cumpriu o que a Constituição federal dele exige e denunciou Renan Calheiros por infrações já bem conhecidas do povo brasileiro.
Collor, o mesmo que enganou toda a Nação e por isso mesmo levou um belo pontapé no traseiro, sempre tentou passar a ideia de ser um homem corajoso. Muitos nos lembramos de quando ele disse que tinha "aquilo roxo" e que com um simples tiro mataria a inflação. E todos nós vimos o que Collor fez com a inflação e com o nosso dinheiro, que ele tomou, e em nenhum momento pareceu ficar nem um pouquinho roxo de vergonha.
Do mesmo calibre são as críticas que o raivoso ex-presidente da Câmara, deputado Marco Maia, lançou contra o Judiciário e a imprensa, sem perceber, dada a sua insensibilidade, que atingem só a ele próprio. Poucos políticos que ocuparam a presidência da Câmara dos Deputados foram tão inexpressivos como Marco Maia, possivelmente de quem não se lembrará com saudade.
Não houve um único ato dele que demonstrasse desprendimento e elevação de espírito, tendo-se fixado, em grande parte do tempo, em culpar as elites, o Judiciário e a imprensa, sem olhar para si próprio. Talvez não tenha espelho em casa.
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