FOLHA DE SP - 18/09
Peço permissão para falar na primeira pessoa, pois creio que o valor do que gostaria de relatar não é meramente anedótico.
Há uma semana, achei por bem fazer um teste e perguntar à minha filha de 12 anos como ela imaginaria o mundo no ano de 2030.
A ideia era procurar descobrir alguém que vê o futuro como um campo completamente virgem. Talvez uma oportunidade para ouvir a voz de sujeitos para quem 2030 seria seu espaço de direito. Espaço que, a princípio, poderiam moldar a partir da soberania de sua vontade.
Mas, aos poucos, sua descrição foi assemelhando-se a uma distopia de cidades à beira de um colapso, pessoas obesas por não fazerem exercícios e celulares de hologramas.
A primeira reação foi acreditar que tinha forçado um pouco a mão na ideia de uma educação baseada no desenvolvimento do senso crítico. Não deixa de ser surpreendente ouvir alguém tão novo e tão crítico a respeito das possibilidades de transformação do futuro.
Mas talvez tal fenômeno deva ser compreendido de outra forma. Ver o futuro como uma distopia é a expressão mais simples de desconforto com o presente. Há algo no presente que parece se esgotar rapidamente. Como ainda não temos a imagem do novo, a figura do futuro problemático aparece como sinal de respeito pelo que ainda não é possível.
Muitas vezes, a verdadeira esperança não está na crença radiante em um mundo reconciliado. Essa crença, quando aparece muito cedo, acaba por matar toda reconciliação possível. Por isso, a verdadeira esperança sempre é precedida por uma profunda recusa. Dessa recusa vem a abertura para realizar o que ainda não sabe-mos como fazer.
Theodor Adorno costumava dizer que a posição atual do artista era a de alguém que deve fazer coisas que não podem ser esboçadas previamente como projetos intencionais. Ele deve ser capaz de confiar no que não consegue enxergar completamente. Isto porque ele sabe que deve conseguir fazer falar o que ainda não tem figura.
Essa estranha confiança dos artistas adornianos é o que acolherá a recusa de alguns que, agora, estão a sair da infância e a caminhar em direção a um momento de profunda reconstrução. Uma reconstrução na qual experiência subjetiva e experiência social se entrelaçam.
Por caminhos os mais insuspeitos, a vida sempre consegue resolver os problemas que ela coloca para si. Às vezes, ela tenciona as expectativas ao máximo, pois sabe que só isso coloca a criatividade em movimento. Por tudo isso, creio que, mais uma vez, minha filha tem razão no que diz.
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