Feliz Natal
MARCELO COELHO
FOLHA DE SP - 26/10/11
Como já não sobra tempo para nada, vamos logo encerrando o que ainda resta deste ano
Quem me dá a notícia não esconde certo alarme na voz. "Já apareceu a primeira árvore de Natal!" Como assim? Em outubro? Já? Não que os preparativos estejam especialmente adiantados neste ano. Pode até ser, mas meu sentimento é sempre o mesmo: o Natal está chegando cedo demais, e muita gente parece fazer o possível para adiantar o processo.
Há motivos comerciais, claro, para isso; cumpre acelerar o fluxo de caixa. Ou então é porque os lojistas se comportam como alguns doentes (os mais saudáveis) diante de alguma injeção ou tratamento doloroso: vamos logo com isso, não quero enrolação, arranquem-me de uma vez os pontos, o curativo, o dente, a perna.
Trata-se de acabar o ano de uma vez por todas; fim de outubro! O ano "está praticamente encerrado", como gosta de repetir Carlos Alberto Sardenberg na rádio CBN.
Jornalistas são assim, aliás: acostumados aos prazos corridos do "fechamento", querem respostas rápidas para tudo, e dão por favas contadas a demissão do ministro, o colapso da Grécia, o fracasso da Copa, a deposição do ditador. Parte da chatice dos jornais se deve a isso. De tanto antecipar os fatos, o noticiário não se adapta ao ritmo que eles realmente têm. Cada dia repete, portanto, o anúncio da véspera, e quando a coisa anunciada finalmente acontece, já não constitui surpresa para ninguém.
Seja como for, a primeira árvore de Natal (que tenta simbolizar um acontecimento alegre) acaba tendo um efeito melancólico; menos que um advento, é um crepúsculo.
Corresponde, neste país tropical, à tristeza do outono nos países europeus. Tem-se aqui mais um exemplo do desajuste brasileiro com relação ao imaginário ocidental.
No hemisfério Norte, o fim do ano corresponde à queda das folhas e ao resfriamento da temperatura: é o correto, afinal de contas. Aqui, o ano acaba no auge das próprias forças. O pico da vitalidade coincide com sentimentos de declínio e retrospecção. Enfeitar de luzes uma árvore verde, em pleno inverno, significa manter as esperanças da vida. Aqui, pendurar uma guirlanda de Natal na porta de casa é celebrar, com uma coroa fúnebre, o fim de mais um ano; e cada pinheiro se posta nas lojas e nas ruas com a gravidade dos ciprestes de um cemitério.
É exagero de minha parte. Sofro de certa melancolia diante de todo enfeite, de todo ornamento. Quando criança, incomodava-me não o adiantamento do Natal, mas o quanto as decorações natalinas se prolongavam além da data. Era fevereiro ou março, o ano letivo já estava em curso, e algumas lojas ainda seguravam nas fachadas, com letras despencando e lâmpadas faltantes, suas mensagens de feliz Natal e próspero 1967.
Existiam também as decorações de Carnaval em algumas ruas; máscaras de rei Momo cor de laranja, tamborins de plástico, colcheias e claves de sol amarravam-se aos fios de eletricidade, e de lá não saíam nem por decreto.
Na cidade praiana onde eu passava as férias, esperavam penduradas, já sem cor e aos frangalhos, até a minha volta na Semana Santa. Hoje o comum é ver tênis velhos, suspensos pelos cadarços, na fiação elétrica. Acho-os menos tristes que os farrapos carnavalescos ou os despojos natalinos. São, quem sabe, sinais do crescimento de um menino, em quem os sapatos não servem mais. Talvez também esperem, lá do alto, algum presente impossível de Natal.
O poeta italiano Corrado Govoni (1884-1965) dedicou alguns versos a uma cornetinha de brinquedo. Aqui vão.
"Eis o que resta/ de toda a magia da quermesse:/ essa cornetinha/ de lata azul e verde/ que uma menina sopra/ caminhando descalça pelo campo./ Mas aquela nota forçada/ contém os palhaços vermelhos e brancos,/ a banda de ouro rumoroso,/ o carrossel com os cavalos, o órgão, as luzes./ Como o gotejar da calha/ contém o susto da tormenta,/ a beleza dos relâmpagos e do arco-íris;/e o fósforo úmido do vaga-lume/ que se desfaz entre as folhas de uma moita,/ toda a maravilha da primavera."
Logo os troncos das árvores, por aqui, vão se cobrir também de vaga-lumes. Começa agora a chover, enquanto escrevo, neste dia de calor; mas a chuva chegou sem susto. Estamos na primavera. Corrijo-me; já é tempo de dizer feliz Natal.
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