Tudo dentro do previsto
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 26/10/11
A economia caminha como esperado, perdendo fôlego, e as previsões do Banco Central sobre a desaceleração provaram-se corretas. Para sorte do Brasil, o governo e o BC preferiram não dar ouvidos a quem pedia cautela na redução de juros.
Nos últimos dias, as projeções para a inflação declinaram, assim como o dólar. A moeda americana vai a meio caminho entre 1,70 e 1,80 reais. Tudo dentro da normalidade.
É a prova de que o Brasil, com Selic algo menor, continua um ótimo negócio no mundo de juros reais zero ou negativos. O atual BC pegou a taxa real a 6%. Se entregar em 2012 na metade disso ainda estará oferecendo belos lucros ao emprestador.
Coloquem o juro real a 3% e o dinheiro continuará vindo para cá, com gosto. O recorde nos investimentos diretos até setembro apenas confirma.
Mas, como assim, investimentos diretos? Por que misturar na análise o dinheiro que entra para capitalizar empresas, supostamente recurso de “melhor qualidade”, e o que cai na ciranda financeira?
Porque as empresas giram o caixa no mercado financeiro e distribuem os lucros não operacionais aos acionistas. Uma desnacionalização silenciosa e rentável. Medida nas remessas também recordes. E no déficit das transações correntes.
O investimento direto este ano já passou dos 50 bilhões de dólares. Mais que o dobro do ano passado. Se esse dinheiro viesse mesmo para o investimento na produção, as projeções econômicas seriam brilhantes. Pois no ano passado o PIB cresceu 7,5%.
Mas em 2011 vamos crescer a metade, se tanto. Ora, se o país recebe o dobro de investimentos para crescer só a metade, para onde vai o dinheiro? Para novas plantas e novos empregos é que não será.
E o cenário medíocre para o governo Dilma Rousseff vai ficando mais nítido. No primeiro ano, ela contratou crescimento fraco e abaixo da inflação. Para o segundo ano, algo parecido está encaminhado.
Felizmente o BC evitou o pior, a parada completa da economia. Mas as nuvens no horizonte andam carregadas.
Persiste a ameaça de nova recessão global, desencadeada pela falta de solução para a balbúrdia fiscal na Europa. E mesmo a economia chinesa já ensaia perda de dinâmica.
Também pela dependência a um mercado mundial sem força e pelo desequilíbrio interno entre investimento e consumo.
É um cenário econômico desafiador, e perigoso politicamente para o governo.
Nada muito grave pelo lado da política partidária oficial, pois a maioria parlamentar está bem pendurada na máquina e a oposição parece incapaz de fazer uma crítica que entusiasme o povo com alternativas palpáveis.
O último vestígio de ação oposicionista nesse campo foi quando reagiram à queda de juros acusando o BC de se submeter ao Palácio do Planalto. Houve as exceções de praxe, mas o comando da oposição preferiu acenar ao financismo, com a defesa doutrinária da independência do BC.
Dilma não chegou a agradecer publicamente, mas aposto que ficou satisfeita. Apareceu na foto como quem mandou o BC cortar os juros, enquanto a oposição gritava contra. Quem não gostaria de ter uma oposição assim?
Mas o quadro social, fora das salas acarpetadas, não é bacana para o governo.
As greves sucedem-se, os sindicatos andam inquietos e há um cansaço diante dos seguidos casos de corrupção. Ela é mais bem suportada em intervalos de prosperidade, mas se é hora de apertar os cintos, a paciência do povo diminui muito.
Relativo
O Brasil diz que não vai mais discutir Belo Monte no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), onde as entidades que resistem à usina lutam para defender os direitos delas.
Ambas as posições são legítimas. O Brasil cuida de sua soberania e quem se opõe a Belo Monte busca internacionalizar o tema.
Estranho apenas que o Brasil abra mão de defender seus pontos de vista num espeitado fórum multilateral. O Itamaraty diz que todos os esclarecimentos já foram dados por escrito e não há motivo para ir lá.
É um argumento razoável, porém permite interpretar que o amor do nosso governo e da nossa diplomacia pelo multilateralismo é seletivo.
Nada espantoso, mas vale o registro.
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