O Brasil, entre Argentina e Turquia
CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO - 26/10/11
Não faltam entusiastas no Brasil do modelo de desenvolvimento adotado pela Argentina. As altas taxas de crescimento econômico que o país vizinho vem experimentando desde 2003 inspiram alguns a defender a adoção desse modelo aqui dentro. Outros vão além: as mudanças promovidas pelo governo Dilma Rousseff na política econômica que vigorou nos últimos 12 anos são um sinal de que caminhamos para o exemplo argentino.
A Argentina, ao contrário do Brasil e de um grupo representativo de nações em desenvolvimento, não adotou o regime de metas para inflação. Depois da falência, em 2001, do regime de câmbio fixo, passou a tolerar inflação alta e, claramente, a trabalhar com política monetária frouxa, política fiscal relativamente apertada, meta para a taxa de câmbio e prioridade ao crescimento a qualquer custo.
Com exceção de 2008 e 2009, quando seu Produto Interno Bruto (PIB) avançou, respectivamente, 6,8% e 0,8% por causa crise mundial, a Argentina não cresceu, desde 2003, menos que 8% ao ano. A inflação, no entanto, disparou nesse período e segue invencível. Com um agravante: desde o início de 2007, graças à intervenção política do governo Kirchner no Indec, o IBGE argentino, as estatísticas oficiais de inflação perderam credibilidade. Neste momento, por exemplo, a inflação, segundo o Indec, está em 9,9% ao ano, enquanto estimativas mais realistas indicam alta de 24%.
Tony Volpon, estrategista de renda fixa da Nomura Securities, disse, em relatório recente, que, embora os níveis argentinos de inflação não sejam politicamente aceitáveis no Brasil, três decisões tomadas pelo governo Dilma vão na direção do modelo da Argentina. A primeira foi o aumento do superávit primário; a segunda, o início de um ciclo de alívio monetário, mesmo com inflação esperada para 2012 acima da meta oficial; e a terceira, a imposição de controles de capitais, por meio de impostos.
"A estratégia de elevado crescimento perseguida pelas autoridades argentinas resultou em taxas de inflação que só rivalizam, na América Latina, com as da Venezuela", ironiza Volpon. O que aparentemente tem ajudado a manter a popularidade da presidente Cristina Kirchner, que se reelegeu de forma esmagadora na eleição de domingo, é o crescimento da renda real dos trabalhadores da economia formal.
De fato, a renda tem crescido desde meados do ano passado, embora não nos níveis declarados pelas autoridades - com a inflação expurgada, o crescimento real é superior a 16% ao ano; considerando a inflação real, é pouco superior a 1/5 disso. No Brasil, a renda real cresceu no período mencionado bem mais do que na Argentina e, em agosto, estava em 3,2% ao ano.
O desempenho favorável da renda real mitiga o impacto da inflação na percepção da população. Nos dois países, ela já está em queda, graças ao aumento da inflação e possivelmente ao desaquecimento da atividade econômica. É possível que o governo Dilma continue relevando os riscos de perda de popularidade associados à alta da inflação, em defesa de uma taxa mínima de crescimento econômico - 3% neste e no próximo ano.
Outro modelo citado em conversas dentro e fora do governo como passível de inspiração para o Brasil é o da Turquia. Ao contrário dos argentinos, os turcos possuem um regime de metas para inflação, mas, desde a crise de 2008, o vêm deixando de lado para priorizar a queda dos juros e taxas mais altas de crescimento. O custo da opção, embora não seja na mesma magnitude do incorrido pela Argentina, tem sido inflação elevada, permanentemente acima da meta oficial.
A Turquia derrubou os juros na marra em 2008 e 2009. A ideia por trás do movimento era a de que o país precisava testar o mercado, que estaria viciado em juros altos. Se necessitasse aumentar a taxa novamente para combater altas de preços, como já ocorreu depois do início do experimento, o faria a partir de um patamar mais baixo. Os juros, de fato, mudaram de patamar, mas a inflação se tornou saliente.
O caso brasileiro é mais complexo. Embora a presidente Dilma tenha dado a entender, em mais de uma ocasião, que a ênfase de sua gestão, neste momento, é garantir o crescimento, a despeito da inflação, o regime vigente ainda é o de metas para inflação, embora o governo trabalhe para flexibilizá-lo. Por esse regime, o Banco Central (BC) persegue a meta oficial. Se a inflação, que aparentemente começou a recuar, voltar a subir, o banco elevará os juros.
Há quem veja, no governo e entre simpatizantes de mudanças no tripé de política econômica vigente no Brasil, exemplos a serem seguidos tanto no modelo argentino quanto no turco. Falta combinar com o BC. Este surpreendeu o mercado com o início do alívio monetário antes do esperado, mas nas decisões e sinalizações recentes avisou que só tem uma meta: trazer o IPCA para 4,5% até o fim de 2012.
O governo tem expectativas distintas: quer que o BC controle a inflação, mas assegure uma determinada taxa de crescimento e uma certa desvalorização do real, em meio um patamar de gasto público elevado. Esse conflito de expectativas produzirá dias animados em Brasília nas próximas semanas e meses.
A Argentina, ao contrário do Brasil e de um grupo representativo de nações em desenvolvimento, não adotou o regime de metas para inflação. Depois da falência, em 2001, do regime de câmbio fixo, passou a tolerar inflação alta e, claramente, a trabalhar com política monetária frouxa, política fiscal relativamente apertada, meta para a taxa de câmbio e prioridade ao crescimento a qualquer custo.
Com exceção de 2008 e 2009, quando seu Produto Interno Bruto (PIB) avançou, respectivamente, 6,8% e 0,8% por causa crise mundial, a Argentina não cresceu, desde 2003, menos que 8% ao ano. A inflação, no entanto, disparou nesse período e segue invencível. Com um agravante: desde o início de 2007, graças à intervenção política do governo Kirchner no Indec, o IBGE argentino, as estatísticas oficiais de inflação perderam credibilidade. Neste momento, por exemplo, a inflação, segundo o Indec, está em 9,9% ao ano, enquanto estimativas mais realistas indicam alta de 24%.
Tony Volpon, estrategista de renda fixa da Nomura Securities, disse, em relatório recente, que, embora os níveis argentinos de inflação não sejam politicamente aceitáveis no Brasil, três decisões tomadas pelo governo Dilma vão na direção do modelo da Argentina. A primeira foi o aumento do superávit primário; a segunda, o início de um ciclo de alívio monetário, mesmo com inflação esperada para 2012 acima da meta oficial; e a terceira, a imposição de controles de capitais, por meio de impostos.
"A estratégia de elevado crescimento perseguida pelas autoridades argentinas resultou em taxas de inflação que só rivalizam, na América Latina, com as da Venezuela", ironiza Volpon. O que aparentemente tem ajudado a manter a popularidade da presidente Cristina Kirchner, que se reelegeu de forma esmagadora na eleição de domingo, é o crescimento da renda real dos trabalhadores da economia formal.
De fato, a renda tem crescido desde meados do ano passado, embora não nos níveis declarados pelas autoridades - com a inflação expurgada, o crescimento real é superior a 16% ao ano; considerando a inflação real, é pouco superior a 1/5 disso. No Brasil, a renda real cresceu no período mencionado bem mais do que na Argentina e, em agosto, estava em 3,2% ao ano.
O desempenho favorável da renda real mitiga o impacto da inflação na percepção da população. Nos dois países, ela já está em queda, graças ao aumento da inflação e possivelmente ao desaquecimento da atividade econômica. É possível que o governo Dilma continue relevando os riscos de perda de popularidade associados à alta da inflação, em defesa de uma taxa mínima de crescimento econômico - 3% neste e no próximo ano.
Outro modelo citado em conversas dentro e fora do governo como passível de inspiração para o Brasil é o da Turquia. Ao contrário dos argentinos, os turcos possuem um regime de metas para inflação, mas, desde a crise de 2008, o vêm deixando de lado para priorizar a queda dos juros e taxas mais altas de crescimento. O custo da opção, embora não seja na mesma magnitude do incorrido pela Argentina, tem sido inflação elevada, permanentemente acima da meta oficial.
A Turquia derrubou os juros na marra em 2008 e 2009. A ideia por trás do movimento era a de que o país precisava testar o mercado, que estaria viciado em juros altos. Se necessitasse aumentar a taxa novamente para combater altas de preços, como já ocorreu depois do início do experimento, o faria a partir de um patamar mais baixo. Os juros, de fato, mudaram de patamar, mas a inflação se tornou saliente.
O caso brasileiro é mais complexo. Embora a presidente Dilma tenha dado a entender, em mais de uma ocasião, que a ênfase de sua gestão, neste momento, é garantir o crescimento, a despeito da inflação, o regime vigente ainda é o de metas para inflação, embora o governo trabalhe para flexibilizá-lo. Por esse regime, o Banco Central (BC) persegue a meta oficial. Se a inflação, que aparentemente começou a recuar, voltar a subir, o banco elevará os juros.
Há quem veja, no governo e entre simpatizantes de mudanças no tripé de política econômica vigente no Brasil, exemplos a serem seguidos tanto no modelo argentino quanto no turco. Falta combinar com o BC. Este surpreendeu o mercado com o início do alívio monetário antes do esperado, mas nas decisões e sinalizações recentes avisou que só tem uma meta: trazer o IPCA para 4,5% até o fim de 2012.
O governo tem expectativas distintas: quer que o BC controle a inflação, mas assegure uma determinada taxa de crescimento e uma certa desvalorização do real, em meio um patamar de gasto público elevado. Esse conflito de expectativas produzirá dias animados em Brasília nas próximas semanas e meses.
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