A liderança em questão
FOLHA DE SÃO PAULO - 01/11/09
A concessão colombiana aos EUA implica derrota de Lula e dos que veem o Brasil lulista como líder na América do Sul
A NEGAÇÃO DAS preocupações brasileiras, feita em entrevista internacional pelo ministro Nelson Jobim, com a presença militar norte-americana na Colômbia e com a recriação da esquadra dos Estados Unidos para o Atlântico Sul, é, além de inverdadeira, desatualizada como exame primário de diplomacia.
Nos últimos dias, as justificadas preocupações dos militares com o "problema Colômbia" até aumentaram: a assinatura da cessão de bases aos EUA, a meio da semana, foi uma demonstração de descaso para com a inquietação sul-americana a respeito. E, por consequência, tem o significado de distanciamento colombiano das metas políticas declaradas na região. Por ocorrerem na Amazônia, esses fatos sensibilizam mais: afinal, começa-se a compreender que a Amazônia brasileira não é caso de preocupação como território de guerrilha, mas por questões muito maiores que se tornam mais claras e mais próximas no novo século.
Na visão militar, o risco de curto prazo está na possível explosão de provocações entre Colômbia e Venezuela, a partir de ou acirradas pela presença ativa dos norte-americanos. É certo que Lula levou, para o seu final de semana venezuelano, um roteiro de argumentos destinados a obter de Hugo Chávez o compromisso de contenção na impulsividade verbal e de troca de ideias antes de atitudes exacerbadas. A pressa de Lula em ver aprovada, pelo Senado, a entrada da Venezuela no Mercosul -como ocorreu- teve a ver com seu objetivo venezuelano.
Do ponto de vista político, a concessão colombiana implica uma derrota de Lula e dos que passaram a ver uma liderança do Brasil lulista na América do Sul, senão em toda a América Latina. O presidente Álvaro Uribe não recuou nem sequer um passo, para atender às pressões brasileiras. Nem a pretensão manifestada por Lula, de "exigir explicações de Obama", mereceu alguma atenção.
Antes de encerrar-se a semana, deu-se ainda um fato espetacular nas relações sul-americanas e cujo componente de precaução quanto ao Brasil é forte e inteligente, por mais que aqui e fora se venha a negá-lo. O Tratado de Maipú de Integração e Cooperação, assinado na sexta-feira pelas presidentes Michelle Bachelet e Cristina Kirchner, é muito mais do que um surpreendente e grande passo além do Tratado de Paz e Amizade firmado por Chile e Argentina em 1984, quando deram fim à disputa em torno do canal de Beagle.
A amplitude do novo tratado tem o nítido caráter de formação de um bloco político e econômico. Logo, de uma iniciativa em duas frentes voltadas para o Brasil. Em uma, cria-se à margem do Mercosul, no qual a vocação de preponderância do Brasil está bem demonstrada. Em outra frente, Chile e Argentina agem de modo mais direto, ao unir suas menores potencialidades individuais em comparação com o Brasil e, assim, contrapor ao gigante rico um corpo mais apto a resistências e enfrentamentos.
O grande passo de Chile e Argentina é outra contestação à imaginada "liderança natural do Brasil" que o governo Lula teria efetivado, enquanto discursa sobre a comunidade sul-americana.
Governante
Os juros do comércio a prazo também são monstruosos, com os de cheque especial e os de cartão de crédito, todos tomando do cliente, já no primeiro mês, mais do que a inflação de um ano. Mas Lula dirigiu seu ataque só aos dois últimos, que definiu como "quase um assalto". E é tudo o que ele tem a dizer como presidente do país onde esse "quase assalto" está instituído?
É.
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