GAZETA DO POVO - PR - 07/09
O presidente Barack Obama volta derrotado da reunião em São Petersburgo. Felizmente, o Nobel da Paz de 2009 não pode ser responsável por iniciar mais um conflito internacional.
Apesar do alegado apoio de 11 países do G-20, o governo americano não conseguiu um endosso ponderável à sua decisão de punir unilateralmente a Síria pelo uso de gás tóxico na guerra civil. É o seu maior revés em matéria política e, paradoxalmente, preciosa dádiva tanto sob o ponto de vista humanitário como pessoal.
Impossível garantir que ataques aéreos com mísseis, drones não tripulados ou jatos supersônicos serão suficientes para derrubar o ditador Bashar al-Assad que controla um Exército razoavelmente disciplinado e tem o apoio de metade da população do país.
A Síria é uma ficção inventada em seguida à Primeira Guerra Mundial, fragmento levantino do adormecido Império Otomano. A pressão nacionalista que mudou o mapa europeu a partir da Primavera das Nações (1848) ficou contida no Oriente Próximo e Médio ao longo de sete décadas. O mesmo impulso que estilhaçou o antigo Império Austro-Húngaro e criou o fenômeno da balcanização da Europa Central, estabeleceu no Norte da África e na Ásia Menor novos entes nacionais muitas vezes contrariando a lógica da geografia, etnias e religião.
Assim como a antiga Iugoslávia só conseguiu manter-se unida sob o autoritarismo do marechal Tito, também a Síria só sobreviveu graças à ditadura alauíta e à força do partido Baath, secular. Derrubado o último dos Assad, rompem-se os principais vínculos que mantinham amarrado o Estado Nacional sírio, acionam-se os antigos rancores tribais e, sobretudo, deixa-se a Rússia absolutamente desguarnecida e distanciada do Oriente Médio.
No caso de bem-sucedida – isto é, derrubado Assad – a missão punitiva proposta por Obama produzirá desastrosos resultados não apenas na Síria, mas imediatamente no Líbano, cujo grau de coesão é tão precário quanto o do vizinho e ex-parceiro. Malsucedido – isto é, mantido Assad – deixará engatilhada uma sucessão de conflitos intrarregionais com consequências imponderáveis.
Não foi por insegurança ou covardia que a Casa Branca evitou envolver-se diretamente no conflito sírio ao longo dos dois últimos anos, ao contrário: sua cautela foi realista, responsável. Quem não soube cumprir com suas obrigações de superpotência foi a Rússia de Vladimir Putin, sustentáculo único do regime de Assad – a China está longe, preocupada legitimamente com os efeitos econômicos de um eventual conflito.
Ao permitir que o ditador sírio ultrapassasse os limites e recorresse a armamentos expressamente proibidos pelas leis internacionais, Putin apostou apenas no desgaste do rival americano. Jamais demonstrou qualquer inclinação pacifista – ainda que retórica – e não seria agora que o faria ante a perspectiva de perder seu derradeiro ponto de apoio no Mediterrâneo.
Empurrado a contragosto para fora da arena internacional pelas revelações do jornalista Glenn Greenwald a respeito da espionagem americana, o Brasil vê-se obrigado a confinar-se a uma guerrilha diplomática, paralela, secundária, com os EUA. Defende com brio a sua soberania, tenta investir contra o império digital, mas perde uma rara oportunidade para reforçar nossa vocação multilateral e pacífica.
A guerra contra as guerras é a única na qual deveríamos nos engajar.
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