domingo, janeiro 27, 2013

Invasão virtual - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 27/01


Estamos vivendo na era de inteligência formal e emoções empobrecidas, de esperteza quantitativa desprovida de empatia, de cérebros expandidos e corações angustiados. Essa combinação letal fez sua vítima mais recente com o suicídio de Aaron Swartz, ativista e prodígio da internet encontrado enforcado em seu apartamento no Brooklyn há cerca de duas semanas.

Em julho de 2011, Swartz foi indiciado pela invasão virtual de um site chamado Jstor que distribui artigos acadêmicos para o público cobrando uma taxa modesta. Ao invadir um terminal de computador no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT, em inglês), ele baixou quase 5 milhões de documentos antes de ser apanhado em janeiro de 2011. Seu julgamento estava marcado para o mês de abril. Oficialmente, ele poderia pegar até 35 anos de cadeia e multas totalizando US$ 1 milhão. Isso pareceu cruel e absurdo aos apoiadores de Swartz. De fato, era. A promotora americana que estava cuidado da acusação, Carmen Ortiz, revelou que a pena que ela buscava era de seis meses em prisão de baixa segurança.

É preciso cautela quando se escreve sobre a vida e a morte de Swartz porque, como em qualquer ocasião em que a ética da internet é questionada, o caso Swartz incita reações defensivas e agressivas fanáticas. Alegando que Ortiz o perseguiu até a morte, os apoiadores de Swartz enviaram um abaixo-assinado com 25 mil assinaturas ao presidente Obama, que a nomeou, pedindo para ela ser destituída do cargo. Seus apoiadores o caracterizam como uma mistura de Joana d'Arc e Jesus Cristo.

O suicídio de Swartz foi desolador como é o suicídio de qualquer jovem. Pelo que dizem, ele era uma pessoa idealista e movida por suas paixões. Dizem que ele tinha uma personalidade marginal, estranha, que faz o pai que existe em mim desejar ter estado lá para protegê-lo. E a insatisfação de Swartz com o poder que exclui foi admirável e profundamente comovente. Ele teve um sonho de liberdade humana e não toleraria uma internet que tornasse propriedade privada as produções culturais e intelectuais.

Mas é aqui que o pai em mim fica severo e impaciente. Como escritor, preciso ser pago pelo que escrevo ou meus filhos terão um futuro difícil. O próprio Swartz, produto de um ambiente afetuoso, pertencia a uma geração de pessoas que são como paródias dos ativistas contraculturais primitivos dos anos 60. As mais radicais delas queriam não só a abolição da propriedade privada, como a distribuição igualitária da riqueza. Pioneiros da internet como Swartz - aos 14 anos, ele ajudou a desenvolver o RSS, a ferramenta de informação da internet - querem acabar com a propriedade privada. Mas eles não têm nenhum problema com a concentração de riqueza, e nenhuma concepção da importância do dinheiro na vida.

Os apoiadores de Swartz dizem que o que ele objetava no Jstor era o fato de uma empresa sem fins lucrativos pagar editoras, mas não autores. Isso me pareceu absolutamente falso. Ao roubar os arquivos do Jstor com a intenção de colocá-los online de graça, Swartz estaria roubando dinheiro das editoras e dos autores, já que o dinheiro que o Jstor pagava às suas editoras acadêmicas ia cobrir adiantamentos feitos aos autores. Ele também pagava outras coisas, como os salários e benefícios do Jstor e dos empregados das editoras.

Como escritor profissional, eu não teria as centenas de milhares de dólares que Swartz e seus pais devem ter pago aos seus advogados para conseguir adiar seu julgamento por incríveis dois anos, tempo esse em que ele ficou livre sob fiança. Se Swartz fosse negro e considerado culpado da posse de drogas, teria sido enviado diretamente para a prisão - para uma prisão de alta segurança, e por muito mais do que seis meses.

Sempre me chocou o fato de que as pessoas que atuam para tornar as propriedades intelectual e cultural gratuitas são pessoas que não dependem da criação de nenhuma das duas para sobreviver. São garotos idealistas como Swartz, sustentados por seus pais, ou professores de Direito vitalícios de Harvard. Swartz e seus seguidores também se opuseram à Stop Online Piracy Act (lei para sustar a pirataria online) e se opõem a qualquer tentativa de fazer as pessoas pagarem pelo que leem na internet (mas aparentemente não a pessoas pagarem por pornografia). Por conseguinte, tudo que é valioso na cultura, dos filmes ao bom jornalismo e aos livros, está em risco de desaparecer com os empregos de incontáveis pessoas que trabalham nessas esferas.

Talvez sua ideologia da gratuidade tenha feito Swartz acreditar que, assim como não se deve pagar pelo que se lê, não se deve sofrer nenhuma consequências pelo que se faz. Os defensores de Swartz o apresentam como uma espécie de Sócrates ao mesmo tempo em que se enfurecem porque o MIT manteve sua queixa criminal contra Swartz. Mas como todos os mártires de uma causa, Sócrates escolheu sofrer uma punição injusta das mãos de uma sociedade que ele considerava falsa e corrupta para expor essa falsidade e corrupção. Dá mesmo para dizer que ele bebeu a cicuta para provar seu ponto de vista. Swartz parecia tanto desejar desafiar uma convenção social como depender da benevolência da sociedade que estava por trás da convenção. Uma vez apanhado em seu ato de rebelião de princípio, ele esperava ser posto em liberdade. Dizem que ele sofreu de uma longa depressão. Isso é muito triste. Mas ele também foi produto de seu ambiente capitalista tardio. Ele era mimado.

Não tenho nenhuma simpatia pelo estado de espírito persecutório, e se Ortiz extrapolou de alguma forma, espero que ela seja de fato substituída. Na maioria dos casos - não todos -, estou do lado da misericórdia e não do que o sistema legal chama de justiça. Mas, no meu entender, o aspecto mais doloroso da vida de Swartz, e, talvez, a fonte de sua depressão, era seu desenvolvimento de uma inteligência formal, abstrata, à custa da simpatia comum, e de um senso comum, decente. O que o coração sabe, que o cérebro não sabe, é que nada é de graça - nem o amor, nem a coragem, nem a esperança. E a verdade é a propriedade mais cara de todas.

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