FOLHA DE SP - 28/10
Terno branco, paletó com saia ou tradicional com forro cor de rosa; alfaiates dizem que os homens estão subindo mais modernos ao altar
A designer Rita Teixeira de Carvalho, 29, se casou com um homem vestindo saia. Na hora de dizer sim a Fernando Calvache, 29, em 1º de setembro, ele usava um terno com saiote plissado acoplado. "Parecia um kilt [saia escocesa masculina]", define ele.
O terno e saia foi projetado pelo estilista João Pimenta, que desfila na SPFW nesta terça e decidiu calcar seu trabalho no filão de noivos que querem fugir do trivial.
Os novos noivos ousados não são poucos, dizem alfaiates ouvidos pelo repórter Chico Felitti. O guarda-roupa do homem no altar se resumia antes a terno (paletó mais colete e calça), costume (paletó e calça, sem colete), smoking e um ou outro fraque (jaqueta com uma cauda mais longa na parte de trás). Hoje está bem mais variado.
Por conta da procura, Pimenta fechou a loja que tinha na Vila Madalena há três meses e abriu um ateliê em Pinheiros, focado em casamento. Lá, smoking ou terno de corte reto são proibidos. As combinações, a partir de
R$ 1.500, são todas mais rentes ao corpo. Algumas delas têm variações, como a saia do publicitário Calvache.
O medo do casal era causar choque entre o vestido tradicional, usado pela mãe da noiva 30 anos atrás, e a tendência contemporânea do companheiro. O que aconteceu um pouco durante a celebração, em Minas Gerais. "Vários tios meus falaram: 'Que negócio é esse?'. Eu respondia: 'Eu sou jovem, eu sou moderno'", diz Calvache.
Ricardo Almeida, alfaiate do ex-presidente Lula e de abonados brasileiros, também percebeu modernização nos dois últimos anos. "Aumentou o número de ternos claros que me encomendam."
Alguns clientes, como o ator Paulo Vilhena, que se casou em Fernando de Noronha no fim do ano passado, mimetizam a cor da noiva e se casam de branco. "Era tabu. Agora, está ficando mais normal. Mas só recomendo para casamento de dia."
O administrador Márcio Lotonni pagou mais de R$ 4.000 para sair do ateliê de Almeida com um conjunto de paletó e calça brancos. "Me senti acompanhando a minha mulher nesse momento, os dois vestindo a mesma cor. Valeu, mas acho que não vou conseguir usar de novo, em outras ocasiões."
O alfaiate Alexandre Won fez recentemente terno para um noivo que pediu para se vestir de caipira: calça curta e paletó quadriculado, justinho, e multicolorido. Won cobra a partir de R$ 2.800 pelo serviço, com direito a três provas de roupa e a conversas sem fim com o cliente.
Há quem queira mudar, mas em dose homeopática. André Wakimoto, 34, é advogado e usa terno todos os dias. Até por isso, decidiu usar um modelito diferente, "mas não muito", para se unir à consultora de moda Natasha Kunert, 33, em setembro. "O tecido, italiano, era cinza com um pouco de brilho. Mas não muito."
A cerimônia dele foi à tarde, em uma fazenda em Itatiba (interior de SP). "Achei que poderia ousar mais."
Ousou, mas os toques de mais modernidade ficaram ocultos. Ou quase: o forro do paletó era rosa. E a camisa tinha seu monograma (as letras AW) bordadas no punho -estilo aposentado que agora está sendo revivido.
"Se dependesse do Alexandre, acho que teríamos feito mais detalhes diferentes. Mas eu queria preservar um pouco", diz o noivo. Ficaram num caminho do meio entre tradição e inovação.
Wakimoto diz que o dinheiro que gastou com a roupa compraria três "bons ternos". "Mas é uma peça para usar em ocasiões especiais, ao contrário do vestido da noiva, que não dá para repetir." Um mês depois, ele usou a camisa para ir trabalhar.
É fugir da roupa cotidiana que alguns desejam. Só que poucos arriscam usar uma saia. "Ninguém quer nada 'extravagantésimo'", explica o alfaiate Pimenta. A maioria procura blazers e calças que "contornem os braços e delimitem a cintura".
A escolha é um momento complicado também para eles. "Os noivos precisam de aconselhamento", diz o alfaiate João Camargo. "A cerimônia é uma cena de virilidade. E, com a noiva ali, no altar, eles podem ir além."
E mesmo os profissionais modernosos têm limite. "O terno não pode ser vaporoso nem transparente", diz Pimenta. "Não faço fraque. Acho brega. O noivo fica com cara de roupa alugada, de mofo!", diz Alexandre Won.
O alfaiate João Camargo aposta no público que retorna aos velhos tempos, até do fraque -o que seria também uma novidade. "É cíclico. Hoje, casar como antigamente é moderno."
Camargo, à frente do ateliê que leva seu sobrenome, abrirá em 15 dias dois espaços em que venderá opções "fashion" a partir de R$ 1.500. Seus ternos normais custam mais de R$ 4.000.
"Eles ficam mais vaidosos quando estão com a data marcada", diz Camargo. Para isso, ele já aconselhou futuros maridos a praticar jiu-jítsu, como forma de "evitar a barriga de matrimônio".
A parte mais delicada é mesmo o trato com as noivas. "São elas que trazem eles para cá", diz Camargo. "A noiva sempre dá o OK antes", confirma Won. "Porque, afinal, a mulher tem que gostar", pondera Ricardo Almeida. "São elas que trazem os clientes, elas fazem o controle de qualidade. Morrem de medo que eles não fiquem masculinos" diz Pimenta.
A consultora de moda Costanza Pascolato não vê motivo para tanta mudança. "É bobagem! O noivo precisa ser a âncora do casamento." É do cavalheiro a obrigação de manter sobriedade na festa, defende ela. A noiva é que pode ousar. "E elas ousam." Às vezes, até demais. "Usam tomara que caia e outras roupas com as quais nem deveriam entrar numa igreja."
Fernando Calvache, o noivo da saia, diz que o arrojo valeu a pena. Durante o piquenique que se seguiu à cerimônia, vários convidados pediram o saiote para experimentar. A peça acabou perdida antes que a festa terminasse. "Eu ainda acho ele."
"Não faço fraque. Acho brega. O noivo fica com cara de roupa alugada, de mofo! A noiva sempre dá OK antes na roupa do marido"
ALEXANDRE WON, ALFAIATE
"O fraque vai voltar com tudo, porque é muito elegante. É cíclico. Hoje, casar como antigamente é moderno"
"São as noivas que trazem eles pra cá"
JOÃO CAMARGO, ALFAIATE
"O noivo precisa ser a âncora do casamento"
"As noivas já ousam demais, usam tomara que caia e outras roupas com as quais nem deveriam entrar numa igreja"
COSTANZA PASCOLATO, consultora de moda
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