Num mundo mais aberto e mais democrático, são mais complexos os processos de tomada de decisão
AS CONFERÊNCIAS internacionais não têm a intensidade dramática capaz de satisfazer a nossa fome de espetáculo. No entanto, elas não ocorrem em vão e dispersam sementes para além das aparências.
No caso das questões do ambiente, foi assim com a Rio-92, com Kyoto e certamente será assim também com a Rio+20.
O modo de funcionamento dessas conferências reflete a realidade de um mundo mais multipolarizado, em que se multiplica sem cessar o número de atores relevantes. Não é mais possível, felizmente, que dois ou três países se reúnam e decidam o destino da humanidade.
Os próprios governos, por sua vez, ao falar e decidir por seus países, devem respeitar a vontade livre de suas sociedades. O mundo tornou-se claramente mais aberto e muito mais democrático.
E nesse mundo, mais opiniões estão sendo levadas em conta, tornando mais complexos os processos de tomada de decisão.
A partir dessas duas premissas, pode-se fazer um julgamento mais equilibrado e mais justo da nossa conferência. É verdade que ela não foi ambiciosa e que renunciou depressa demais a seus objetivos?
Não é uma tarefa simples conseguir que 190 governantes, representando 7 bilhões de pessoas, se ponham de acordo sobre mudanças nos modos de produção, nos estilos de vida e nas expectativas de crescimento econômico para as próximas décadas.
Os próprios termos do problema dificilmente são matéria consensual, mesmo entre profissionais e ativistas. Há importantes setores dos movimentos ambientalistas que contestam duramente a "economia verde" que não passa, segundo eles, de mais um disfarce ou uma variante do desenvolvimento capitalista.
E os objetivos de uma economia sustentável não devem ser impostos por meio de ordens de governos centralizadores e sim por meio da administração de incentivos que, num ambiente de liberdade, alterem os comportamentos de produtores e de consumidores. Afinal, em que sociedade queremos viver?
Como bem disse o negociador-chefe do Brasil, embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, a objetivos ambiciosos devem corresponder recursos também ambiciosos. Uma coisa sem a outra é, no mínimo, incoerência, disse ele.
Eu diria que chega mesmo a ser hipocrisia. Os países ricos desenvolveram-se sem as regras e limites que hoje pesam sobre os países de desenvolvimento tardio e sem incorrer nos custos em que essas restrições implicam.
Por isso, se a União Europeia e os Estados Unidos desejam estabelecer objetivos concretos, devem antecipar-se e oferecer uma parte grande dos recursos necessários.
O papel da política é agir conforme a circunstância, avançando ou recuando conforme as condições reais. Nesse sentido, foi prudente recuar em relação aos recursos e aos financiamentos.
Mas, pela mesma razão, foi necessário não avançar em compromissos que custarão muito, principalmente para os países em desenvolvimento, que ainda enfrentam situações de extrema pobreza.
A preservação dos recursos naturais, para que eles possam ser aproveitados de modo duradouro pelas futuras gerações, é uma tarefa importante e que deve obrigar a todos nós. Mas ao olhar para a natureza e para os homens de amanhã, não podemos fechar os olhos para os homens de hoje; para as centenas de milhões de pobres na África, na Ásia e na América Latina, especialmente mulheres e crianças.
Para eles é preciso haver mais crescimento econômico e mais produção de alimentos. E não vamos conseguir isso retrocedendo a formas primitivas de organização da produção, abolindo o uso de novas tecnologias no campo, renunciando à engenharia genética e amaldiçoando o desenvolvimento.
A Rio+20 é o espelho do Mundo Novo, mais aberto e mais democrático, sem protagonismos excessivos. O governo brasileiro mostrou-se um ator apropriado desses tempos novos, exercendo um tipo de liderança serena, lúcida e democrática.
Estou convicta de que o Brasil, em todos os aspectos, cumpriu bem o seu papel como anfitrião de uma das conferências mais importantes deste século.
Nenhum comentário:
Postar um comentário