sábado, junho 23, 2012

As contradições - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 23/06
Nada mais emblemático do que encerrar a Rio+20 aumentando o subsídio à gasolina. Isso é coerente com tudo o que decepcionou na reunião. No mundo inteiro há pesados subsídios à indústria do petróleo. Um dos sonhos era usar a conferência do Rio para começar a pôr fim a essa prática irracional, cara e contraditória. Não só a proposta foi barrada no documento final, como o país sede terminou o encontro aumentando o subsídio.
A Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) foi zerada na gasolina para que o aumento do preço pela Petrobras, anunciado ontem, não seja repassado ao consumidor. Ao fim da maior conferência do mundo sobre desenvolvimento sustentável se soube que o Brasil aumentou a renúncia fiscal feita em favor do uso do combustível fóssil. O Tesouro pagará a conta com o dinheiro que, pelo menos na lei, deveria ser investido em transporte público.

O ministro Guido Mantega concedeu uma rápida entrevista no Riocentro para comemorar acordos com a China, em várias áreas, como exploração de petróleo e satélite. Garantiu que "o Brasil é o país do mundo que tem a melhor estratégia para a manutenção do desenvolvimento sustentável". A delegação brasileira repetiu durante toda a reunião que o Brasil é o país mais sustentável do mundo, um exemplo para o planeta.

Como prova, Mantega falou que 95% dos carros brasileiros serão flex este ano. Sim, serão flex, mas usarão gasolina porque a política de preços e de impostos do governo induz ao consumo do combustível fóssil.

Vejam no gráfico abaixo, preparado pelo CBIE, de Adriano Pires, como o imposto veio caindo desde 2002. Era 25,2% do preço, estava em 2,7%, e ontem foi zerado. Era R$ 0,541 do litro, estava em R$ 0,091 e agora não se cobrará mais nada. No começo do governo Lula, o Tesouro arrecadava R$ 1 bilhão por mês com a Cide na gasolina. Até ontem, arrecadava R$ 220 milhões por mês, e, pelo diesel, arrecada outros R$ 200 milhões. Isso deixará de entrar nos cofres públicos a partir de segunda-feira. Além disso, a Petrobras continuará importando gasolina por um preço e fornecendo às distribuidoras a um custo menor, porque a defasagem em relação ao preço internacional se mantém. Só este ano a diferença produziu um prejuízo de R$ 750 milhões à companhia.

Um argumento muito usado na Rio+20 pelo governo brasileiro é que a matriz energética é limpa porque é baseada em hidrelétricas. Isso é outro sofisma, dos tantos do atual governo na área ambiental. A energia de origem hídrica tem virtudes, mas não é emissão zero. Algumas hidrelétricas emitem menos, outras muito mais, pelo material orgânico nos seus lagos. Algumas representam um custo inaceitável, pelo impacto da construção. Algumas compensam, outras não. Todas usam, como se fosse da empresa, um bem que é público, pelo qual não pagam, e que se torna cada vez mais valioso: a água.

Na entrada do Parque dos Atletas, vi escrito Sítio Pimentel, num estande. Soube logo que era então de Belo Monte. Lembrei da forma como foi autorizado um desmatamento no Sítio Pimentel para o começo da instalação das máquinas e do alojamento dos trabalhadores. Ainda não havia licença ambiental, mas deram autorização para o desmatamento. No outro lado do estande, uma belíssima foto do Rio Xingu. Isso mesmo. A Norte Energia estava lá usando a beleza do Xingu como propaganda de Belo Monte, que vai reduzir a vazão do rio e acabar com a Grande Volta.

Esse é um caso extremo, mas não é o único. A palavra "sustentável" tem sido usada de forma abusiva por empresários e empresas que vivem da economia fóssil ou atacam o meio ambiente diretamente ou através da sua cadeia produtiva.

Tenho dito neste espaço que a questão ambiental atravessou a economia para sempre. Por isso, tenho feito esforço para ter no meu campo de visão de colunista de economia temas da vasta agenda ambiental e climática. O mais difícil é engolir o discurso de tantos empresários garantindo que suas empresas são verdes e sustentáveis. A afirmação da maioria não resiste aos fatos.

Foram dias intensos, de muito trabalho, e um final sem emoção. O governo brasileiro quis uma reunião sem risco e trabalhou para o encerramento muito antecipado do documento. Isso desidratou a conferência e seu resultado. O pior sinal foi essa forte impressão - às vezes expressa aos gritos, como fez a ministra Izabella Teixeira (veja vídeo no meu blog) - de que o Brasil é o mais sustentável dos países. Um governo tão convencido que é perfeito nada fará para avançar.

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