sexta-feira, junho 29, 2012
O sangramento do Tribunal de Justiça - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR
O ESTADÃO - 29/06
É preocupante verificar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), o maior do País, continua a sangrar por força do comportamento inadequado e censurável de um grupo de desembargadores que se prevaleceram da posição em que se encontravam para obter privilégios de recebimentos e, assim, tornar-se desiguais em relação aos demais.
A rigor, dos aproximadamente 360 desembargadores paulistas, cerca de 10% passaram na frente dos colegas, num comportamento lamentável, e receberam por antecipação valores correspondentes a direitos trabalhistas que haviam sido reconhecidos a todos.
O ponto lamentável e condenável dessa conduta está em eles se haverem prevalecido de suas respectivas posições no momento de avançar sobre os valores que deveriam ser creditados igualitariamente a todos os juízes, ativos e inativos, em pequenos pagamentos mensais. O juiz que está segregado, lá nas beiras do Rio Paraná, não teria nunca a chance de fazer o mesmo.
As explicações dadas individualmente levam sempre à conclusão de que não foi um comportamento justo, o que se mostra trágico, porque envolve juízes. É possível que esses desembargadores ainda não tenham consciência do estrago que impuseram à imagem do Poder Judiciário no Brasil e, em especial, no Estado de São Paulo. O pior é que, na tentativa de justificar os recebimentos equivocados desses valores, passaram a acusar uns aos outros, alimentando os órgãos de divulgação com notícias que gradativamente fazem aumentar o descrédito em torno deles.
Por motivos muitos menos relevantes e menos graves, foram frequentes no Tribunal de Justiça, ao longo de décadas, pedidos de aposentadoria formulados por desembargadores que configuraram conduta não criminosa, porém eticamente inadequada. Diante do chamamento aos deveres formulado pelo presidente do tribunal, esses desembargadores tomaram a decisão mais conveniente de se afastar.
Essa linha comportamental se alia à necessidade de que os jurisdicionados precisam ter sempre a segurança de que serão julgados por pessoas dotadas de credibilidade e respeito. Sim, porque ao jurisdicionado é fundamental que o juiz ao qual está submetido não esteja de forma nenhuma envolvido por uma sombra de suspeição.
O direito que nos rodeia, impalpável, abstrato, somente tem sua existência reconhecida pelo cidadão no momento em que é violado. Nessa hora, o cidadão se dá conta de que o direito violado terá de ser exposto e pleiteado perante um juiz. E como deve ser esse juiz? O requisito essencial, além da competência necessária para o exercício do cargo, é que sobre ele não pese nenhuma suspeita.
Não é conveniente que um juiz atingido por dúvida comportamental ou que seja réu em processo administrativo de tamanha relevância continue a julgar, nem se pode esperar que os seus julgamentos sejam recebidos com a necessária credibilidade. O ideal, nessas circunstâncias, talvez seja a opção pelo afastamento voluntário, importante para impedir que a imagem pessoal de cada um, desgastada e vulnerada, alcance e contamine cada vez mais o Tribunal de Justiça, já bastante abalado pelo ocorrido.
Seria um gesto de grandeza dessas pessoas deixar de fazer por meio da imprensa afirmações que explicam, mas não justificam, a conduta assumida. Poderiam, também, por respeito humano, pensar um pouco mais nos demais juízes e desembargadores que continuarão na ativa e que também estão sofrendo com esse desgaste, para o qual não concorreram.
A Lei Orgânica da Magistratura, norma complementar à Constituição federal, dispõe com toda clareza, em seu artigo 35, inciso VIII, que os juízes de direito têm o dever de "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular". Para contrabalançar e dar equilíbrio às prerrogativas que lhes são privativas, como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, o legislador impôs aos juízes o dever da conduta irrepreensível.
O descumprimento dessa regra obriga o presidente do tribunal a agir em sua defesa quando, individualmente - como no caso presente -, ocorrem violações e, principalmente, quando elas acabam se tornando públicas. Isso está ocorrendo de forma desastrosa, porque acabou aguçando as emoções, levando a uma lamentável "troca de chumbo" entre altos figurões da magistratura.
Num patamar bem abaixo deste palco onde ocorrem as disputas e os xingamentos estão mais de 2 mil juízes paulistas, cada um em sua comarca, cada um em sua vara, porém todos abalados e abismados com o atual espetáculo. Esses juízes nada têm que ver com os deslizes éticos de seus superiores, mas estão pagando um preço muito alto por eles: com muita frequência, são vistos como suspeitos pelos jurisdicionados.
Inicialmente, com boas razões, a ministra Eliana Calmon investiu furiosamente contra a conduta errada de juízes brasileiros. A forma com que ela fez isso lhe conferiu incrível notoriedade e levou a resultados surpreendentes no trabalho de "abrir a barriga" do Poder Judiciário. No Tribunal de Justiça de São Paulo, sobretudo, viu-se que o comportamento eticamente condenável desses desembargadores iniciou um processo de sangria que parece não ter fim.
As divergências entre os desembargadores alcançados pelas acusações de conduta inadequada já se tornaram pessoais e são a toda hora repetidas. Parece faltar, sem nenhuma dúvida, um pouco de grandeza a esses desembargadores, para que se deem conta de algo que parecem haver esquecido: eles são juízes e têm o dever de cumprir aquilo que está exposto na Lei Orgânica da Magistratura, ou seja, sua obrigação é "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular".
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