domingo, março 11, 2012
A missão do Banco Central - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 11/03/12
"Missão: Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente" - é a inscrição encontrada na primeira página do site do Banco Central (BC) e destacada logo abaixo do nome da instituição. Desde o 2.º semestre de 2011, esse simulacro de juramento começou a ficar desfocado e agora, depois da reunião do Copom de quarta-feira, ficou claro que seu texto precisa mudar para ser honesto e verdadeiro.
Combater a inflação e garantir o poder de compra da moeda sempre foi papel central dos BCs. Mas há países, como os EUA, que incorporam um terceiro item na missão: garantir crescimento econômico. Nas decisões sobre taxa de juros, o Federal Reserve defende a saúde do sistema financeiro, a moeda e o emprego dos americanos. Na Europa, a enxurrada de dinheiro liberado pelo Banco Central Europeu por vezes é confundida com socorro à recuperação da atividade econômica, mas o verdadeiro objetivo é salvar o euro do abismo.
Defender o crescimento econômico e o emprego não macula a missão do Banco Central, muito pelo contrário. É obrigação do banco olhar a economia real em suas avaliações. O BC brasileiro sempre a olhou, ao decidir a taxa básica de juros, mas não como critério principal e motivador de suas decisões. Isso até quarta-feira, quando reduziu a Selic em 0,75 ponto porcentual de uma só vez. Cometeu um erro? O futuro pode mostrar que não. Já há economistas e banqueiros respeitados, como Roberto Setubal, do Banco Itaú, afirmando que há mais espaço para cortar juros. A novidade é que, sem subterfúgios, de forma clara e explícita, o BC incorporou a defesa do crescimento econômico e do emprego em sua missão.
Certo? Errado? O País, sua economia, o mercado e o BC estão maduros para conferir essa terceira tarefa ao Banco Central? Pode ser que sim, pode ser que não. Vai depender do grau de autonomia demonstrado pela direção do BC nos próximos meses. Há quem veja no corte da Selic interferência da presidente Dilma Rousseff. E auxiliares seus - como Marco Aurélio Garcia, Guido Mantega e Fernando Pimentel - ajudam a reforçar essa convicção quando opinam sobre juros e anunciam previamente sua queda. Dilma os enquadrou: "Em meu governo é o BC; nem eu nem ninguém tem autorização para falar sobre juros". Mas nada garante que eles parem de falar. Se nem funcionários graduados entendem que o mercado se aproveita e especula com seus palpites, como imaginar que há maturidade, a começar pelo governo, para atribuir ao BC tarefa com tal amplitude política?
Interferência ou não, o fato é que, desde o final de 2011, Alexandre Tombini e companheiros do BC têm destacado o crescimento econômico em suas declarações e análises. Às vezes até deixando a inflação em segundo plano. Foram convencidos por Dilma? Quem saberá?
E o momento é apropriado? A inflação está controlada e voltando para o centro da meta? E se o dilema inflação x crescimento ressurgir, como no 1.º semestre de 2011, qual dos dois vai prevalecer nas próximas decisões do Copom?
O cenário atual não é bom para um nem para o outro. Pode haver certo exagero em falar em desindustrialização, como fizeram o secretário da Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Mas a queda continuada da produção industrial há meses e o tombo de 16% de bens de capital em janeiro são extremamente preocupantes. Impressiona é que até agora o emprego e a demanda pouco foram afetados e seguem em taxas elevadas.
Segundo Calabi, excluindo a incidência sobre os importados, no 1.º bimestre deste ano a arrecadação do ICMS do setor industrial caiu 2%, refletindo queda real de produção em São Paulo. Há quem identifique no desajuste do câmbio e na falta de competitividade com importados o problema maior da indústria. A inflação por ora está quieta, mas especialistas apostam que só até junho. Além disso, a queda nos juros pode estimular o crédito, o consumo e a inflação.
É aí que o BC vai mostrar se tem ou não autonomia e maturidade para assumir sua terceira missão.
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