quinta-feira, janeiro 19, 2012
Risco de destruição MARCELO COUTINHO
O GLOBO - 19/01/12
O Nobel em economia de 2004, o americano Edward Prescott, defende que nenhum país perde ao vender apenas comida, minério de ferro ou petróleo porque o desenvolvimento dependeria de boas instituições, e não do que se exporta. Em 2011, tivemos um déficit comercial na indústria de 91 bilhões e exportamos 70% de bens primários e semiprimários, oriundos da economia fundiária e de exploração das riquezas naturais. Em proporções assim, desde Juscelino não acontecia. A maioria dos intelectuais do país tem preferido silenciar-se a respeito da nova dependência.
Antes que nos acostumemos a ter uma sociedade e economia onde a indústria é pouco importante, valeria a pena avaliar o que esta teoria institucionalista de Prescott desconsidera. Em primeiro lugar, ela ignora o fato de as nações industriais estarem sempre muito à frente na fronteira tecnológica e também no comando decisório do mundo. Em toda a história do capitalismo, não houve, e provavelmente nunca existirá, uma potência mundial de economia exportadora basicamente extrativa ou agrícola. No máximo, e olhe lá, encontramos potências médias nesse sentido.
Geralmente lembrada como exemplo de sucesso no desenvolvimento agroexportador, a Austrália tem extensão territorial equivalente à do Brasil. Somos o 5º maior país do mundo, com 8,5 milhões de km2, e a Austrália vem logo em seguida em sexto lugar, com 7,6 milhões de km2. No entanto, o tamanho da população australiana é não muito maior que o do Estado do Rio de Janeiro. Já somos quase 200 milhões de brasileiros. Eles não passam de 22 milhões. Logo se percebe uma diferença óbvia entre nós, envolvendo extensão de terras e pessoas morando nela.
O Canadá é outro país frequentemente mencionado para provar a ideia de que a especialização em commodities não impediria ninguém de se desenvolver. Com quase 10 milhões de km2, o Canadá tem um território maior que o do Brasil, e uma população menor que a do Estado de São Paulo. Além disso, os canadenses estão disputando a dianteira em algumas áreas tecnológicas, como aviação, telecomunicações e tecnologia da informação. Do Canadá vêm BlackBerry, Bristol Aerospace, Nortel e Bombardier, por exemplo. Esta última, aliás, forte concorrente da Embraer, que não existiria se governos brasileiros anteriores pensassem como Prescott.
Em segundo lugar, a vertente de um institucionalismo a-histórico despreza a possibilidade de a especialização em setores tradicionais ressaltar traços do que há de mais atrasado numa sociedade de massas de colonização primitiva, fazendo deteriorar suas instituições atuais. Austrália e Canadá tiveram um tipo de colonização diferente da nossa. E mesmo que essas trajetórias não sejam importantes, restaria ainda a relação entre instituições democráticas e estruturas econômicas.
Qualquer sociologia política pedestre reconhece a importância da industrialização para as democracias. As instituições de uma jovem democracia estabilizada pela inclusão política talvez não suportem a concentração de poderes nas mãos de elites agrícolas monocultoras, burguesia coletora de minerais e mercadores finacistas. Seria um feito passar por uma aliança entre esses grupos, com um partido há tantos anos no poder, sem fulminar o pluralismo político. Embora o mundo esteja repleto de democracias com pouca indústria de transformação, o Brasil seria a primeira com as suas dimensões e renda abaixo de 15 mil dólares.
Não deveríamos utilizar o país para testar uma teoria acadêmica. Foi muito difícil nos modernizar. Levou gerações. Seria a maior das tragédias civilizatórias constituir aqui uma sociedade agrária-extrativa-pastoril sem camponeses, acompanhada por indústria obsoleta. Por outro lado, a Europa arruinada está agora demonstrando o quão enganoso pode ser o pós-modernismo. A Espanha, por exemplo, que é bem menor que o Brasil, especializou-se em serviços, incluindo financeiros, e seus jovens não encontram emprego algum. É isso que o futuro nos reserva?
Se fôssemos vender sempre só o que os outros esperam, teríamos continuado os ciclos econômicos coloniais. A agricultura se modernizou muito, mas não devemos superestimá-la. O melhor negócio do mundo não é produzir commodities porque justamente o Brasil está na lanterninha entre os emergentes. Sem a indústria não crescemos mais que 3,5% ao ano. Portanto, deixemos de transformar uma necessidade desde 2008 em virtude. Algo precisa ser feito antes que subvertamos o lema de JK, acabando com o desenvolvimento industrial de 50 anos em cinco.
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Um comentário:
Brilhante o artigo do professor Marcelo Coutinho. Como ele próprio cita, é inacreditável como a suposta “elite” intelectual deste país se recusa a enxergar esta realidade. Voltemos, por exemplo, a 30-e-poucos anos atrás quando me formei em Engenharia Naval pela UFRJ. Naquela época o Brasil era o segundo maior construtor naval do mundo em tonelagem de aço processado, seguido de perto pela Coréia do Sul. Lembro que nossos estaleiros e engenheiros navais caçoavam dos “colegas” Coreanos alegando que lá se trabalhava todo um dia para receber como pagamento uma tigela de arroz ao final do dia. Hoje, pouco mais de 30 anos depois, a Coréia do Sul tem umas das indústrias navais mais poderosas e avançadas do mundo enquanto a nossa, está completamente sucateada.
Mas não ficaram somente na indústria naval. A indústria Coreana de eletrônicos hoje é uma das mais modernas do mundo, passando mesmo a Japonesa. E não é só isso. Lembro claramente do primeiro sedã Coreano lançado nos EUA há mais ou menos uns 25 anos atrás, o Hyunday Elantra. Era a piada do mercado automobilístico americano; só imigrantes pobres e empregadas domésticas compravam o Elantra. Hoje, o Elantra foi eleito o melhor carro do salão de automóveis de Detroit.
História semelhante também se observa na Noruega que, ao final da segunda grande guerra, era um país eminentemente agrícola. Hoje, em pouco mais de 60 anos, tem o maior índice de desenvolvimento humano do mundo. Claro que as grandes reservas de petróleo no Mar do Norte grandemente favoreceram a Noruega, mas notem que lá o petróleo não foi descoberto até 1952 enquanto no Brasil a primeira jazida foi descoberta na Bahia em 1939. A Noruega hoje detém a tecnologia mais avançada do mundo para exploração e produção de petróleo enquanto nós, que descobrimos petróleo muito antes deles, ainda importamos tecnologia.
Nesses últimos 30-50 anos, a Coréia do Sul nos deu a Hyunday, a Kia, a Samsung, a Daewoo, a LG, entre outras. Nesse mesmo tempo a Noruega desenvolveu a indústria de petróleo mais avançada do mundo e deixou de ser uma nação eminentemente agrícola para alcançar o maior IDH dentre todos os outros países do planeta. E nós, nesse meio tempo, conseguimos sucatear a indústria naval que já tivemos um dia, fechamos nossa única fabrica nacional de motores (FNM), e sequer conseguimos produzir um par de sapatos que compita com os importados chineses. Não desenvolvemos sequer um radinho de pilhas nacional e as poucas tentativas de criar uma indústria automobilística Brasileira (como a Gurgel, por exemplo), fracassaram. Abdicamos da idéia de que uma nação rica é uma nação industrializada e nos recolhemos a triste realidade de uma nação extrativista como éramos a 60 anos atrás. Triste história essa a da “evolução” do Brasil.
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