quinta-feira, janeiro 19, 2012

Pela Europa, FMI passa o chapéu - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 19/01/12

Por que dar dinheiro a uma instituição como o FMI que não prevê crises e que ajudou a causar a presente baderna?


O FMI vai pedir entre US$ 500 bilhões e US$ 600 bilhões ao mundo para incrementar sua caixinha, ora de uns US$ 390 bilhões. Vai pedir, claro, aos países "sócios". Trata-se de dinheiro equivalente a um quinto da produção de toda a economia brasileira em um ano (um quinto do PIB, mais ou menos).

A direção do FMI diz que, nos próximos dois anos, talvez precise de US$ 1 trilhão, dinheiro que seria emprestado a países à beira do calote, hoje majoritariamente europeus, embora a eurozona ainda possa fazer estragos em outras freguesias.

O FMI passa o chapéu por pressão europeia e, claro, em menor escala, pelo interesse da corporação de ter mais relevância política.

Os europeus querem dividir com o resto do mundo a conta da sua crise fiscal e também transferir para o Fundo a responsabilidade de cobrar as dívidas, como o FMI quase sempre fez na sua função de capitão-do-mato da finança global.

De onde virá o dinheiro? Os países da eurozona disseram, mas não confirmaram, que arrumam uns US$ 200 bilhões. O resto teria de vir de EUA, asiáticos ricos, países petrolíferos e talvez até do Brasil.

O Congresso americano quer cortar dinheiro do Orçamento deles a ponto de deixar velhos doentes morrendo (ainda mais) na rua. Querem até cancelar empréstimos já feitos pelos EUA ao FMI. Não parece que os americanos vão colocar muito mais dinheiro no Fundo.

Sobram os "países em desenvolvimento", China à frente.

Europeus e americanos não gostam da ideia de ver os chineses na posição de fazer o favor de emprestar dinheiro e, ainda por cima, barganhar poderes e concessões do velho mundo rico. Em suma, a crise europeia é mais um capítulo da mudança de equilíbrio político e econômico no mundo, blá-blá-blá.

Embora seja uma questão essencial, crítica, de "realpolitik", a redivisão de poderes é, ainda assim é um assunto convencional.

Chineses, indianos e até brasileiros aproveitam a situação para reclamar mais voz no FMI, no Bird ou na ONU; para enrolar discussões climáticas ou acordos na OMC (Organização Mundial do Comércio).

No entanto, não se contesta a ideia de que o Fundo, ou equivalente, vai recolher dinheiro de governos, do público (direta ou indiretamente), a fim de escorchar países (o povo comum, na verdade) com o objetivo de restituir empréstimos aos donos do dinheiro grosso.

É uma crítica velha e, diz-se, ingênua e inepta. Afinal, se os bancos vão a falência, a crise se multiplica e afeta multidões etc. etc. etc. É verdade. Se os bancos perdem dinheiro, emprestam menos, a economia cresce menos etc. etc. É verdade.

Mas quais as punições para aqueles que acumularam fortunas por meio de investimentos ruins, com as piores alocações de capital da história do capital? Quase nenhuma.

Por que uma instituição que não percebeu a chegada de nenhuma das crises financeiras graves desde 1997 será responsável por supervisionar o rescaldo do incêndio?

Aliás, de incêndio para o qual forneceu vasto combustível, pois o FMI sempre foi um instrumento da propaganda da política financeira que causou os desastres que culminaram na baderna de agora, para nem mencionar outras imposições ineptas e desgraças humanas e políticas que causou ou chancelou.

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