O BANDIDO DE FARDA
REVISTA VEJA
o bárbaro assassinato da juíza Patricia Acioli foi cometido a mando de um membro da cúpula da PM do Rio. Assombroso,o episódio mostra que é preciso ir muito mais fundo para expurgar a bandidagem das entranhas da corporação
LESLlE LEITÃO
A face mais nefasta da polícia do Rio de Janeiro ficou exposta, na semana passada, ao vir à tona um fato assombroso sobre o assassinato da juíza estadual Patricia Acioli, de 47 anos. Após 47 dias de uma investigação que já havia apontado a participação de onze PMs na execução da magistrada, alvejada com 21 tiros em frente à sua casa, chegou-se ao mentor da barbárie: o tenente-coronel da Polícia Militar Cláudio Silva de Oliveira, de 45 anos, que comandava o 7° Batalhão dePolícia de São Gonçalo, cidade vizinha ao Rio - justamente a jurisdição da juíza morta. Nos meses que antecederam o crime, Patricia estava obstinada em reunir provas para levar à cadeia Oliveira e seu bando, que, já se sabe, praticavam extorsões, desvios de armas e drogas e até homicídios - pelo menos 29. A primeira vitória da juíza deu-se em 24 de janeiro, quando ela decretou a prisão de um major que operava como braço direito do coronel Oliveira. Desde então, Patrícia propalava nos corredores do fórum: "Agora falta o cabeça". Exoficial do Batalhão de Operações Especiais (Bope), a tropa de elite fluminense, Oliveira era homem de confiança do comandante-geral da PM, Mário Sérgio Duarte - seu colega nos tempos de Bope, que o alçou ao posto máximo de batalhões importantes. Não restou outra saída para Duarte senão renunciar.
VEJA teve acesso a detalhes da investigação que revelam um enredo sinistro. O primeiro movimento do coronel Oliveira ocorreu exatamente uma semana depois de a juíza decretar a prisão de seu braço direito na bandidagem, em janeiro. Como represália, o coronel transferiu para longe os dois PMs que se encarregavam da proteção de Patricia, no que teve o aval do comandante Duarte. A escolta havia sido acertada entre ela e o batalhão de São Gonçalo em 2007, quando o Tribunal de Justiça a deixara desassistida - três anos antes de seu algoz assumir a área. Sem nenhuma guarida, a magistrada passou a ser intimidada. Certa vez, seu enteado foi ostensivamente seguido pelas ruas de Niterói. Tratava-se, segundo a própria juíza, de "ameaça velada do coronel Cláudio". À medida que ela apertava o cerco ao grupo, o crime ia sendo meticulosamente engendrado: quatro PMs foram designados para pesquisar seus hábitos em detalhes. O bando sabia que Patricia nygociava uma delação premiada com um dos integrantes do batalhão, que, ao que tudo indica, havia assumido a culpa de um assassinato cometido por um homem forre de Oliveira. Foram duas as tentativas frustradas de eliminála antes da emboscada fatal.
Até ser preso, o coronel Oliveira era considerado pela cúpula da segurança pública do Rio um quadro "operacional" - o que, no jargão policial, designa o tipo valente que resolve problemas com eficiência mesmo que para isso precise cometer deslizes. No caso dele, uma ficha em que constam oito anotações criminais (abuso de autoridade, lesão corporal, constrangimento ilegal, prevaricação, maus-tratos, tortura, homicídio e violência à mulher - este último, o único caso ainda não arquivado). Um ex-colega de batalhão, que trabalhou ao lado de Oliveira por cinco anos, resume assim o seu estilo: "O Cláudio é do tipo que toma a vida dos traficantes um inferno quando invade a área deles, para depois se vender mais caro aos criminosos". Em um depoimento prestado na semana passada, um cabo que confessou ter disparado contra a juíza conta que o chefe chegou a instaurar no batalhão um sistema de divisão do produto das apreensões e da propina paga por traficantes.
Quando analisava a promoção de Oliveira a comandante de batalhão, em outubro de 2010, o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, recebeu informes· da inteligência da ,PM contendo denúncias sobre seusacordos escusos com traficantes e milicianos. O agora ex-chefe da PM Mário Sérgio Duarte dizia não haver nada comprovado contra o subordinado, e ungiu sua promoção à revelia dos indícios que pesavam contra ele. Todo o episódio mostra de forma inequívoca que, se exp'urgar o banditismo de dentro da policia do Rio de Janeiro não é tarefa trivial, ela deve ser levada às últimas consequências, sem abrir brechas à leniência que costuma turvar a vista dos poderosos na hora de punir os amigos.
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