RIO DE JANEIRO - Todo ano, a 6 de janeiro, Dia de Reis, assim que minha vizinha retira de sua porta a decoração de Natal -dois sininhos prateados e uma coroa de azevinho amarrada com fita vermelha-, aplico à minha a de Carnaval: um saco de filó com confete e serpentina e uma pavorosa máscara de clóvis, tudo comprado na Casa Turuna. Eu e a vizinha nos entendemos: respeito sua opção religiosa, e ela, minha opção pagã.
Daí que, até março, a trilha sonora deste apartamento varia pouco. São marchinhas dos anos 1930 a 1960 e sambas de Carnaval (dos mais nobres, como "Agora é Cinza", de Bide e Marçal, aos mais fuleiros, como "Oba!", do Bafo da Onça) e um ou outro samba-enredo, gênero este que deve ser apreciado com moderação. Amigos de visita, em seus delírios, imaginam sentir no ar um aroma de Rodo Metálico.
O Carnaval já está à solta no Rio, e o impecável site Bafafá On Line relaciona mais de 40 eventos só neste fim de semana, entre rodas de samba, saídas de bandas, ensaios de blocos, bailes à fantasia, concurso de marchinhas e um dilúvio de feijoada quase equivalente à quantidade de chuva em São Paulo. Uma novidade é a volta do Cacique de Ramos e do dito Bafo da Onça, os dois grandes blocos de embalo, esteios do Carnaval carioca desde que Oscar Niemeyer usava chuca-chuca.
Falando em blocos, este ano estou na dúvida entre seguir o Spanta Neném, na Lagoa, o Xupa Mas Não Baba, em Laranjeiras, ou o Perereca Imperial, em São Cristóvão. E não vejo a hora de me postar na fila do gargarejo diante do palanque do rancho Flor do Sereno, em Copacabana, ouvindo aqueles sons de 1920, que são o lirismo e a eternidade do Carnaval.
Parece um milagre, mas, depois de décadas condenado ao Sambódromo e aos aparelhos de TV, o Carnaval está de volta, e para valer, às ruas do Rio.
sábado, janeiro 30, 2010
RUY CASTRO
À solta nas ruas
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/01/10
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