quinta-feira, maio 07, 2009

NAS ENTRELINHAS

A dança das dúvidas


Correio Braziliense - 07/05/2009
 

O sacrifício dos projetos regionais é pedido aos petistas num cenário em que a permanência no poder central não é algo líquido e certo

O PT tem diante de si um cálculo complicado na montagem da estratégia de 2010. De um lado, precisa desesperadamente das alianças políticas, para garantir musculatura ao nome do partido na sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, deve cuidar para que essa operação não desidrate as forças próprias da legenda em níveis perigosos. O drama pode ser resumido numa pergunta: se o PMDB e demais aliados fazem o que fazem sob a batuta de alguém como Lula, o que serão capazes de aprontar num governo sem Lula, num governo sem alguém com a popularidade, a liderança e a força própria do atual presidente? E isso no cenário otimista para o PT, de vitória. 

Quando a direção nacional do PT, idiossincrasias e pendengas internas à parte, dá um tranco no ministro Tarso Genro e cria constrangimentos para a pré-candidatura do titular da Justiça ao governo do Rio Grande do Sul, está teoricamente zelando pelo sucesso do projeto nacional, pela presença hegemônica no poder central. Para isso, o PT depende em boa medida do PMDB. Então, que se entregue o anel (o estado) para garantir o dedo (o Brasil). Em graus diferentes, o mesmo problema aparece em outras unidades decisivas, como o Rio de Janeiro e as Minas Gerais. 

Mas o PT, historicamente, tem dificuldade para lidar com essas situações. Em 1998, a direção nacional interveio na seção fluminense e liquidou a candidatura própria. Impôs a aliança com o então pedetista Anthony Garotinho. Em troca, o PDT colocou Leonel Brizola na vice de Lula para tentar impedir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Garotinho e FHC ganharam, Lula perdeu e o PT do Rio procura até hoje o seu rumo. Deixou, na prática, de existir como força política protagonista. 

Um sacrifício assim imposto aos ramos estaduais é sabidamente complicado numa agremiação como o PT, criada de baixo para cima, alicerçada não na ambição de meia dúzia de caciques, como é da tradição brasileira, mas na soma vetorial de dezenas, centenas, milhares de ambições individuais, cuja ferocidade fez o PT armar para si o perfil de sigla avessa a alianças e concessões. Mal ou bem, Lula ganhou duas eleições por causa disso e apesar disso. Porque era Lula. 

Sem Lula é outra história, e o PT está diante do desafio de se reinventar. É como consertar um avião em pleno voo. Com alguns riscos. As bancadas de deputados federais são alavancadas bem mais pelos candidatos a governador do que pelo candidato a presidente. Nomes fortes ao governo estadual induzem o eleitor que não tem candidato ao Legislativo a simplesmente replicar o número da legenda. Sem bons governadores puxadores de voto no estado, os petistas que disputam vagas na Câmara dos Deputados (e nas assembleias legislativas) vão ficar em desvantagem. 

E o sacrifício é pedido aos quadros locais do petismo num cenário nacional em que continuar no poder não é algo líquido e certo. E se o PT perder a eleição presidencial? De que jeito vai sobreviver como força política relevante sem a caneta presidencial, sem as principais canetas estaduais e sem qualquer uma das maiores canetas municipais? Daí que abrir mão de projetos regionais seja bem complicado para os petistas nesta altura. 

São detalhes assim que fazem da atual dança entre PMDB e PT um movimento complexo e contraditório. 

A bem da verdade, nas internas, o PT e o governo trabalham com a possibilidade real de não ter o PMDB na chapa. Os mais otimistas acreditam que a força de Lula é suficiente para eleger Dilma Rousseff, e que um vice do PMDB seria um incômodo desnecessário. Também porque o vice é um nome natural para a sucessão. 

Já os mais realistas no petismo olham para São Paulo e Minas e notam os sinais de que talvez o PSDB caminhe para uma chapa de conciliação entre seus nomes mais poderosos. E temem que uma aliança do PT com o PSB e o PCdoB não seja suficiente. 

Essas angústias seriam automaticamente neutralizadas se houvesse a possibilidade de Lula concorrer a um novo mandato. A tese, por enquanto, habita apenas as franjas do governismo.

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