FOLHA DE SP - 11/01
SÃO PAULO - Deu na "Ilustrada" que o cinema cult redescobriu o sexo explícito. As salas mais respeitáveis da cidade estão exibindo fitas como "Ninfomaníaca", "Azul é a Cor Mais Quente" e "Tatuagem", que não recorrem a lençóis nem à contraluz na hora de mostrar as coisas como elas são. Isso é arte erótica ou pornografia? E será que existe uma diferença transcendental entre ambas?
Creio que não, mas, se há, ela é bem mais tênue do que se imagina. Uma boa definição é a proposta pelo filósofo e historiador da arte Sarane Alexandrian em sua deliciosa "História da Literatura Erótica". Para Alexandrian, o erótico nada mais é do que o "pornográfico revalorizado em função de uma ideia do amor ou da vida social". O erótico seria, em bom português, a pornografia com grife.
O interessante do livro de Alexandrian é que ele mostra que as coisas nem sempre foram assim. Embora vejamos a Idade Média como um período de obscurantismo --e na maioria dos contextos era mesmo--, na esfera sexual reinava bastante tolerância. Um exemplo eloquente é o de Gian Francesco Poggio (1380-1459), que, enquanto secretariava o papa Bonifácio 9°, escreveu "Facécias", obra que traz historietas de forte caráter sexual contadas em bom latim.
O ponto central, me parece, é que pelo menos desde Freud já não deveríamos precisar de pretextos elevados para consumir sem culpa obras que tratem de sexo. Não tenho nada contra grandes cineastas e artistas tratarem do assunto, mas também não tenho nada contra as abordagens escancaradamente vulgares.
Se a função da ficção é fazer com que o observador experimente as sensações retratadas de modo a prepará-lo para a vida, então a pornografia é a mais eficaz das narrativas, já que a reação fisiológica de quem é exposto a ela tende a ser igual à de quem está diante do objeto real. Assistir a um filme erótico é uma experiência mais próxima do original do que ver encenado um homicídio.
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