GAZETA DO POVO - PR - 11/01
Dante Mendonça que me desculpe, mas esta história eu vou contar antes que meu marido lhe conte no balcão do Ao Distinto Cavalheiro e acabe na coluna de Dante na sexta-feira.
Esses dias fui a um encontro com amigos de turma da faculdade. Lá encontrei a querida Débora Puppo. Eu e ela até já combinamos de escrever um livro com as nossas mancadas. Juntas ou separadas, já demos todos os tipos de fora. E também aceitaremos contribuições antológicas de outros amigos como o grande fotógrafo J. C. Vieira.
No encontro, lembrei-me de vários... Mas, para meu espanto, a Débora não lembrou de nada! Ela se tornou aquele tipo de pessoa abençoada que se esquece do inútil. Minha cartada final foi tentar que ela se recordasse de um “causo” que um colega do Coral da USP – médico que trabalhou no nordeste brasileiro no início dos anos 60 – contara e que me chegou aos ouvidos por ela: “E a história da cumádi Jaqueline, você lembra?”. “Não. Seria alguma louca petista que conhecemos?”. Decidi. A história passaria a ser minha. Contada para mim. Mas por honestidade vou socializá-la aqui.
O ano passado fez 50 anos do traumático assassinato do presidente John Kennedy. O primeiro dos dois presidentes dos EUA que fugiria ao padrão WASP (white, anglo-saxon, protestant – branco, anglo-saxão, protestante). Kennedy era católico. Foi um fenômeno de mídia. Carismático, bonito, sedutor – Marilyn Monroe que o diga –, casado com a mitológica Jackie Kennedy. Governou de 1961 a 1963 – momento em que a Guerra Fria quase esquentou com os episódios da Crise dos Mísseis em Cuba e da fundação dos Vietcongues (Frente Nacional para a Libertação do Vietnã), que se formaram para pôr fim à dominação norte-americana no Vietnã do Sul, o que justificou a invasão dos EUA ao país e detonou a Guerra do Vietnã.
Kennedy não era só idolatrado nos EUA. Onde quer que houvesse um aparelho de televisão havia quem o admirasse.
Pois bem... em uma cidade miserável do sertão nordestino a história se deu. Foi na região do chamado Polígono da Seca (atualmente com 1.108.434,82 km²), logo após as denúncias feitas pelo jornalista e romancista Antonio Carlos Callado no Correio da Manhã, jornal em que fora redator-chefe, de que alguns segmentos da classe dominante brasileira ganhavam dinheiro com a estiagem e a pobreza nordestina.
No meio daquele cenário de Morte e Vida Severina uma mulher, de nome desconhecido, deslumbrou-se pelo presidente Kennedy. Nem os presidentes brasileiros Juscelino Kubitschek – igualmente carismático – e o seu sucessor, em 1961, Jânio Quadros – igualmente (guardadas as devidas proporções) fenômeno midiático – despertaram em nossa protagonista tamanho encantamento.
Também em 1961, a senhora “Severina” foi mãe e, como todas as mães, queria uma vida melhor para seu filho. Claro que o menino foi registrado com o nome de Kennedy. Mas ela queria mais! Queria que Kendinho fosse praticamente da família de origem irlandesa que conquistara o poder nos EUA. Queria que Kendinho fizesse parte daquele mundo de vitoriosos, dos bem nutridos que mandavam. E não deste mundo dos subnutridos, submetidos, subestimados, oprimidos, roubados...
A nossa protagonista resolveu que queria porque queria Kennedy como padrinho de batismo de seu filho. Afinal, os Kennedy eram católicos como ela. Tanto fez, tanto fez que conseguiu! Conseguiu que o padre da paróquia local redigisse todos os papéis para que o pedido fosse feito e remeteu, pela empresa pública dos Correios, a documentação para que Kennedy assinasse e assim aceitasse Kendinho como afilhado. E o presidente o fez. Não se sabe se de forma consciente ou se simplesmente assinou o compromisso de batismo católico em meio a cartas, cartões de felicitações. O fato é que nossa pobre senhora recebeu exultante os papéis que comprovavam o laço e assim pôde exibir a todos da cidade sua conquista (até porque a esmagadora maioria analfabeta jamais poderia conferir a veracidade da documentação). Ela não era uma louca pretensiosa como muitos a chamavam. Sua perseverança a colocou próxima do ídolo mais do que qualquer um naquele fim de mundo seco e esturricado.
Kennedy morreu em novembro de 1963. A cidade parou para levar as condolências à “parente” mais próxima do presidente. Ela recebeu a todos. E chorava, chorava... chorou dias, meses. Kendinho (se hoje vivo, já um cinquentão) já tinha mais de 3 anos, o general Castelo já tinha sido empossado presidente do Brasil, o vice de Kennedy, agora presidente Lyndon Jonhson, já tinha ordenado o bombardeio ao Vietnã do Norte recrudescendo a guerra. E a nossa “Severina” continuava aos prantos.
Um dia, uma amiga mais próxima – como a Débora é pra mim – chegou e disse: “Mas mulher, já tá na hora de você parar de chorar. Você nem conheceu de perto o tal do Kennedy”. E a mãe de Kendinho, fungando, respondeu: “Não choro por mim. Choro por cumádi Jaqueline”.
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