GAZETA DO POVO - PR - 06/12
Os bolivarianos não aceitam a derrota na eleição presidencial e teme-se um período de instabilidade como o ocorrido após a deposição de Manuel Zelaya
Após uma corrida eleitoral acirrada em Honduras, o candidato do Partido Nacional, o governista Juan Hernández, já teve sua vitória na eleição presidencial do país oficialmente confirmada. Segundo os últimos dados da Justiça Eleitoral local, o governista tinha 36,80% dos votos (em Honduras não existe segundo turno; o vencedor da eleição é aquele que obtém a maioria dos votos em um turno único), oito pontos porcentuais acima da segunda colocada, Xiomara Castro. No entanto, este episódio da vida pública hondurenha não deve terminar com a proclamação do resultado.
Xiomara é esposa do ex-presidente Manuel Zelaya, deposto em 2009 pela Justiça hondurenha ao tentar promover um plebiscito que desrespeitava a Constituição do país e foi considerado ilegal – diz-se que seu objetivo final seria conseguir a autorização para se reeleger indefinidamente. Apesar da negativa da Justiça, o bolivariano Zelaya insistiu e ordenou que as Forças Armadas organizassem a consulta e demitiu seu comandante, que havia se recusado a seguir com os preparativos do plebiscito. Retirado do país na calada da noite, foi da Costa Rica à Nicarágua, voltou às escondidas para Honduras em setembro de 2009 e, em janeiro do ano seguinte, foi para a República Dominicana. Em maio de 2011, retornou definitivamente a seu país. Enquanto isso, no fim de 2009 os hondurenhos elegeram Porfirio Lobo para a Presidência, e a eleição do mês passado apontaria seu sucessor. Como as leis do país proíbem não apenas a reeleição, mas também impedem ex-presidentes de tentar voltar ao poder, Zelaya não pode mais ser candidato. Assim, lançou a candidatura de sua esposa pelo partido Liberdade e Refundação (Libre).
A candidata derrotada, no entanto, não aceita o resultado do pleito de 24 de novembro. Mesmo antes de o resultado se tornar irreversível, o Libre já convocava entrevistas coletivas em que Zelaya – e não Xiomara – acusou o pleito de fraudulento e pediu uma recontagem. No fim de semana passado, o casal liderou uma manifestação em Tegucigalpa. Xiomara classificou os números da eleição como “uma monstruosidade que me roubou a Presidência”, disse que não aceitará o resultado e proclamou-se vencedora. “Já os derrotamos nas urnas, vamos derrotá-los nas ruas”, afirmou, em um discurso. A Justiça Eleitoral aceitou conferir os relatórios das cerca de 16 mil urnas (ao contrário do que os mestres venezuelanos de Xiomara e Zelaya fizeram recentemente, diga-se de passagem), processo que começaria na quarta-feira, mas o Libre não enviou representantes. O prazo para que o partido se apresentasse para participar da auditoria terminou ontem, e o ex-coordenador de campanha de Xiomara justificou a ausência dizendo que a Justiça Eleitoral não tinha informado o que faria caso encontrasse discrepâncias nos relatórios.
O resultado final, embora diferente das pesquisas anteriores à eleição (que apontavam empate técnico entre Hernández e Xiomara), não destoou das pesquisas de boca de urna, que davam a vitória ao governista. A votação foi monitorada pela União Europeia e pela Organização dos Estados Americanos, que consideraram o processo eleitoral transparente, apesar de apontar alguns problemas. Até o chavista Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, já havia telefonado a Hernández para lhe dar os parabéns. O discurso dos bolivarianos, no entanto, ignora todos esses fatores. Os zelayistas falam de “crise política” e, apesar dos apelos de Xiomara para que as manifestações sejam pacíficas, seus seguidores, com gritos de “não governarão!”, fazem recordar a instabilidade ocorrida logo após a deposição de Zelaya, com mortos e feridos.
Em tudo isso também é de se lamentar a conexão brasileira que acompanha Zelaya desde 2009. Quando o ex-presidente voltou às escondidas para Honduras meses depois da deposição, foi a embaixada do Brasil em Tegucigalpa que o acolheu, permitindo inclusive que Zelaya fizesse articulações políticas de dentro da representação diplomática brasileira. O governo Lula não reconheceu a eleição de Porfirio Lobo, no fim de 2009 – isso só ocorreu em junho de 2011, já no mandato de Dilma Rousseff, com a nomeação de um embaixador. O escolhido, Zenik Krawctschuk, inclusive teve de ouvir recentemente do presidente do Tribunal Supremo Eleitoral hondurenho uma reclamação sobre interferência externa no processo eleitoral do país, já que Lula havia gravado um vídeo de apoio a Xiomara, exibido como propaganda política. Tudo indica que, em vez de seguir os conselhos de Lula, os hondurenhos preferiram rejeitar as tentativas articuladas da esquerda latino-americana de trazer mais um país para a órbita bolivariana.
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