sexta-feira, dezembro 06, 2013

Meu canudo de papel - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 06/12

Em 2022, os mais jovens dessa geração nem estarão com 23 anos, os mais velhos, com 38. Farão parte de um enorme contingente de mão de obra que busca um lugar ao sol numa economia cujo futuro está sendo desenhado agora

Com o estilo que o caracteriza, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu o que vem sendo a sua maior preocupação com as próximas eleições. Foi durante a solenidade na qual receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do ABC, que ele criou. Num dado momento do discurso, virou-se para a presidente Dilma Rousseff e tascou essa: “O maior legado que um pobre quer deixar para o filho é que ele tenha escolaridade e uma profissão. E, se essa profissão for a de doutor, minha presidenta, você não sabe o que é uma família feliz. Depois que ele se forma doutor, não espere que ele ficará agradecido. Ele vai para a rua fazer manifestação contra você. Nós precisamos continuar nos matando para garantir que ele tenha o emprego do sonho. Aí ele não vai mais sair para passeata.”

Lula captou o descolamento de uma fatia do eleitorado que sempre o acompanhou e que escapuliu da base do governo, conforme ficou demonstrado nas manifestações de junho passado. São números que impressionam pela grandeza: o Brasil tem 50 milhões de jovens de 15 a 29 anos, muitos dos quais analfabetos funcionais. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), não estudam nem trabalham 9,6 milhões de jovens. No Nordeste, são 23,9%; no Norte, 21,9%; no Centro-Oeste, 17,4%. Mas é nos centros mais dinâmicos da economia que o problema político com os “nem-nem” se complica mais: no Rio de Janeiro, são 21,5%; em São Paulo, 17,5%; em Minas Gerais, 17,1%; no Paraná, 16,2% ; e no Rio Grande do Sul, 15,1%.

O ex-presidente da República montou uma espécie de governo paralelo no instituto que leva o seu nome, no Bairro do Ipiranga, em São Paulo, onde uma equipe de 10 ex-integrantes do governo prepara uma proposta de agenda para a comemoração do bicentenário da independência: “Eu já estou pensando no Brasil de 2022, quando a gente completar 200 anos de independência e fizer uma comparação do que era esse Brasil. Aí vai ser duro, Dilminha”. Ou seja, projeta um ciclo longo de poder, de uma geração pelo menos, no qual deixa no ar qual será o seu papel. Alimenta o “Volta, Lula” como uma espécie de dom Sebastião, “O Desejado”, o rei português que sumiu na batalha de Alcácer-Quibir (Marrocos, 1578) e cuja morte deu origem ao nosso messianismo popular, que inspirou os fanáticos das guerras de Canudos (BA) e do Contestado (SC). Os grandes arautos desse sebastianismo são os petistas e aliados insatisfeitos com Dilma e que gostariam de vê-lo de volta à Presidência.

Fazendo as contas, em 2022, os mais jovens dessa geração nem-nem estarão com 23 anos, e os mais velhos, com 38, ou seja, farão parte de um enorme contingente de mão de obra que busca um lugar ao sol numa economia cujo futuro está sendo desenhado agora. O que somos como país? Em primeiro lugar, o maior produtor de commodities agrícolas e minerais do mundo. Esse é o lugar que ainda temos reservado na nova divisão internacional do trabalho, enquanto a África não resolve seus conflitos étnicos e religiosos. Isso não é condição suficiente para garantir uma perspectiva de futuro para essa garotada, principalmente nas cidades. E aí que o problema do crescimento econômico ganha contornos dramáticos, ainda mais se forem mantidas as características atuais da nossa economia. Somos prisioneiros de um modelo macroeconômica saturado, no qual a produção de automóveis e o mercado imobiliário pontificam, enquanto nossa indústria de bens de consumo definha em razão da baixa produtividade e da má qualidade de seus produtos frente aos concorrentes, sobretudo os chineses. Dirá a presidente Dilma Rousseff: “isso é complexo de vira-latas”. Será?

Desde a campanha de sua eleição, a presidente Dilma Rousseff vem prometendo taxas de crescimento do PIB superiores a 5% ao ano, com inflação na meta de 4,5%. No seu terceiro ano de governo, o crescimento médio é de 2%, com inflação de 6%. Bem que tentou uma estratégia de retomada do crescimento, reduzindo a taxa de juros a fórceps, mas a inflação cresceu. Vamos fechar o ano com a Selic de volta aos dois dígitos, ou seja, uma taxa de juros de 10% a.a. e que deve subir mais um pouquinho em janeiro. A grande aposta do governo é que a economia cresça pelo menos 3,5% no ano que vem, com inflação girando em torno de 5,5%, mas a expectativa do mercado é de um crescimento da ordem de 2,1% e uma taxa de inflação de quase 6%, segundo o boletim Focus de ontem. Qualquer turbulência pode levar a vaca pro brejo, segundo nove entre 10 analistas econômicos. Como estimular o “instinto animal” dos empresários e manter o apoio deles ao governo num cenário como esse? Ora, com o sebastianismo à la Lula, que acena com sua volta ao poder nas eleições do próximo ano ou, se tudo correr bem, em 2018. O problema é a garotada. Ao contrário do que acontece com os beneficiários diretos do Bolsa Família, que estão com o governo e não abrem, nossos jovens querem mais do que um canudo de papel. E ameaçam estragar a festa.

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