sexta-feira, outubro 25, 2013

Receita para rebaixar a nota de risco do Brasil - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/10

No momento em que instituições e analistas desconfiam da política fiscal de Brasília, atropela-se a Lei de Responsabilidade e, com isso, apressa-se a reclassificação do país



Quando as dívidas de estados e municípios foram federalizadas, numa crucial rodada de renegociação, a partir do final dos anos 1990, a realidade da economia brasileira era outra. Essencial para estabilizar a nova moeda, o real, aquela repactuação foi feita com base em juros de 6% a 9%, mais o IGP. O tempo mostrou, todavia, que o índice de correção não era o mais adequado e, além do mais, os próprios juros passaram a cair. Impôs-se uma revisão de bases contratuais. Era compreensível substituir o IGP — e a escolha foi o IPCA ou Selic, optando-se sempre pelo menor dos dois, mais juros de 4%.

A “janela de oportunidade” para se realizar a mudança foi, no entanto, usada contra um dos mais estratégicos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, o de proibir nova renegociação de dívidas. É o que acontecerá, pelo projeto de lei aprovado com grande alegria pela Câmara , quarta, por 334 votos a nove, e que segue para o Senado, onde o clima de festa deve se repetir.

O problema é que a mudança do índice de correção retroage e, com isso, ocorre uma repactuação do débito, às custas, como sempre, do Tesouro, ou seja, do contribuinte do Erário federal. Consta que a manobra — ilegal, por contrariar a LRF — é feita sob medida para ajudar o prefeito petista Fernando Haddad, de São Paulo, porque, assim, a cidade poderá usufruir de amplo espaço para novo endividamento. O débito da prefeitura cairia de R$ 54 bilhões para R$ 30 bilhões.

Haverá outro custo, este para o país: um forte abalo no que resta de credibilidade na política econômica, em especial na condução da política fiscal. O drible na LRF ocorre no momento em que o Fundo Monetário Internacional reduz o potencial de crescimento brasileiro de 4,25% para 3,5% e volta a alertar para os “ajustes discricionários” que deturpam o acompanhamento da política fiscal — quer dizer, a “contabilidade criativa”.

Ainda nesta semana, estudo da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), em que se congregam os país de maiores economias, inclusive o Brasil, reforçou a preocupação com efetivos gastos públicos no país e o uso de medidas contábeis “não usuais”.

Soma-se a tudo este golpe contra a LRF, coração institucional da estabilidade econômica, e acena-se para governadores e prefeitos com espaço para mais dívidas. O atingimento de metas de superávits primários, já contestado em função de manobras contábeis, se tornará ainda mais difícil.

Governo e Congresso apressam, na verdade, a redução da nota de risco do Brasil para abaixo do “grau de investimento”, obtido em 2009. Crescimento anêmico e inflação alta já levaram a agência americana de classificação de riscos Moody’s a colocar os títulos brasileiros em viés de baixa.

A efetiva remarcação para baixo deverá vir no vácuo da agressão à LRF, com seu inevitável desdobramento na forma de custo mais alto para empréstimos externos e menor apetite para investimentos, justo um dos flancos desguarnecidos do Brasil.

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