O Estado de S.Paulo - 25/10
Afirmar que a deterioração das contas públicas brasileiras só está na imaginação dos desinformados é acrescentar mais um furo na credibilidade do governo.
Nos últimos dois dias, por exemplo, a presidente Dilma, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, saíram em ordem unida para refutar documento do Fundo Monetário Internacional (FMI) que aponta fragilização das contas públicas.
A questão central é a divergência metodológica que envolve o calculo do passivo do Brasil. Para o FMI, este ano vai terminar com uma dívida pública bruta de 68,3% do PIB. Para o governo brasileiro, os títulos do Tesouro que estão no balanço do Banco Central para as tais operações compromissadas não deveriam fazer parte da estatística e, por isso, a dívida bruta não passa de 59,1% do PIB (dados de agosto).
O FMI não está inventando nada; está usando o mesmo método quando avalia a dívida de outras economias. O mais importante é que, tanto pelo critério do FMI como pelos critérios das autoridades federais, a dívida bruta está crescendo rápida e inconfundivelmente (veja o gráfico).
Por trás disso estão certas lambanças fiscais do governo federal, especialmente repasses de títulos públicos ao BNDES e à Caixa Econômica Federal, da ordem de R$ 400 bilhões, ou de 9% do PIB, para créditos subsidiados e para dar cobertura à formação de reservas (e para a política cambial) pelo Banco Central.
O governo prefere divulgar os dados da dívida líquida, ou seja, da dívida descontados os créditos. Mas se o Tesouro faz uma dívida, que repassa ao BNDES, que repassa às empresas que podem ou não pagar, como vai ocorrendo com o grupo Eike Batista, essa dívida líquida, descontados os créditos nem sempre de boa qualidade, incorpora suspeitas.
No mais, a administração das contas públicas do governo Dilma não tem a devida transparência, está sujeita a manobras contábeis esquisitas, que lembram o quilo de 800 gramas praticado por tantos açougues Brasil afora.
Não é apenas o FMI que vem denunciando a piora das contas públicas. As agências de classificação de risco, encarregadas de avaliar a qualidade de títulos de dívida, vêm dizendo a mesma coisa. E é também o que têm apontado analistas e economistas de várias escolas. O próprio presidente do BNDES, Luciano Coutinho, tem afirmado que a atual estratégia de obtenção de recursos (funding) não é sustentável e tem de mudar.
As consequências ruins dessa política estão em todos os cenários. A escalada da dívida bruta está corroendo a capacidade de avanço da economia, aumenta a insegurança, freia os investimentos e coloca em risco o grau de investimento do título do Tesouro, como vêm advertindo as agências de classificação de risco.
Se o governo entende que "não precisa de conselhos do FMI", como declarou ontem o ministro Gilberto Carvalho, deve pelo menos satisfação à sociedade. E é melhor começar com admitir que tem água nessa gasolina.
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