Na ata da última reunião do Copom, o Banco Central, de maneira surpreendente, incluiu como novidade a frase "criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade". Isso depois de ter afirmado, na ata da reunião anterior, que iniciativas recentes apontavam "o balanço do setor público em posição expansionista".
Considerando que os sinais de deterioração das contas públicas continuam alarmantemente presentes e não tendo havido qualquer mudança de postura das autoridades fiscais nas últimas semanas, parece não ter havido justificativa razoável para essa mudança abrupta da avaliação do Banco Central sobre o desempenho das contas públicas. Ao contrário, a forte deterioração do superávit primário nos últimos meses, quando expurgado dos efeitos da contabilidade criativa, sugere que o afrouxamento fiscal segue solto, como nunca se viu nos últimos quinze anos.
Alguns números bastam para ilustrar esse ponto. Nos doze meses encerrados em agosto de 2013, o superávit fiscal ficou em 1,9% do PIB pelo número oficial, ou 1,2% expurgando-se a contabilidade criativa. O resultado é bem abaixo do observado nos últimos anos. A despesa cresceu nos primeiros oito meses de 2013 cerca de 6%, enquanto a receita subiu apenas 2,5% no mesmo período. Como que num castigo ao otimismo do BC, o resultado primário de agosto de 2013, publicado poucos dias após a divulgação da ata do Copom, foi o pior em quinze anos para o mês, mesmo com a ajuda da receita de dividendos transferida para o Tesouro.
Diante de tanto distanciamento entre a realidade dos números e a fantasia das promessas, custa a crer que o Banco Central possa ter apostado na "neutralidade do balanço do setor público", principalmente no contexto de um ano eleitoral que já começou. O próprio Orçamento do governo federal para 2014 indica queda do superávit primário no ano que vem, mesmo com a superestimativa do comportamento das receitas tributárias, estimadas com base num crescimento real do PIB de 4% e de uma inflação de 5%. Aliás, os números do Orçamento costumam não ser confiáveis no Brasil, como mostra a experiência de anos anteriores, assim como são menos confiáveis, infelizmente, os próprios números do superávit, cada vez mais afetados por truques contábeis.
Além disso, há problemas com o conceito adotado pelo Banco Central para mensurar a neutralidade da política fiscal, sob o prisma de suas implicações para a conduta da política monetária. Conforme descrito num "box" no último Relatório de Inflação divulgado, a instituição se vale do conceito de "impulso fiscal", pelo qual uma política fiscal é dita neutra quando for nula a diferença entre o resultado primário estrutural entre dois períodos sucessivos. Essa métrica adotada pelo BC não é a mais indicada para mensurar os efeitos da política fiscal sobre a demanda agregada, pois pode estar comparando duas situações de desequilíbrio. No contexto da condução da política monetária num regime de metas de inflação, o correto é entender neutralidade fiscal como uma situação em que nenhum ajuste da taxa de juros é necessário para que a meta de inflação seja atingida. Para tanto, o indicador relevante é o resultado primário medido como proporção do PIB e não a sua diferença entre dois períodos sucessivos como, aliás, admite o BC nos próprios modelos de projeção de inflação por ele utilizados.
Ademais, a neutralidade vista pelo BC dificilmente se harmoniza com o que vem sendo observado no comportamento da dívida pública. A proporção entre a dívida bruta do setor público e o PIB tem crescido nos últimos anos, a ponto de já ser percebida pelas agências de classificação de risco como um fator que pode levar ao "downgrade" do risco soberano brasileiro. A relação dívida bruta/PIB encontra-se hoje em 68%, tendo crescido 6 pontos percentuais apenas no governo atual e já se encontra acima do nível médio para países com "ratings" semelhantes aos do Brasil. Isso contrasta com a afirmação constante do Relatório de Inflação de que "superávits primários em patamares próximos aos que têm sido gerados recentemente são necessários para manter a dívida pública em trajetória sustentável". O problema é que o "link" entre o resultado primário e a evolução da dívida pública foi rompido pela expansão massiva da dívida tendo como contrapartida a constituição de créditos com empresas estatais - Petrobras, BNDES e Caixa Econômica - operações que não afetam o primário.
Por tudo o que foi aqui dito, o BC cometerá grave erro caso baseie suas decisões de política monetária no comportamento do "impulso fiscal" medido pela variação do resultado primário estrutural. Com uma inflação beirando os 6% ao ano, o que menos o Brasil precisa é da ficção de uma neutralidade expansionista.
Considerando que os sinais de deterioração das contas públicas continuam alarmantemente presentes e não tendo havido qualquer mudança de postura das autoridades fiscais nas últimas semanas, parece não ter havido justificativa razoável para essa mudança abrupta da avaliação do Banco Central sobre o desempenho das contas públicas. Ao contrário, a forte deterioração do superávit primário nos últimos meses, quando expurgado dos efeitos da contabilidade criativa, sugere que o afrouxamento fiscal segue solto, como nunca se viu nos últimos quinze anos.
Alguns números bastam para ilustrar esse ponto. Nos doze meses encerrados em agosto de 2013, o superávit fiscal ficou em 1,9% do PIB pelo número oficial, ou 1,2% expurgando-se a contabilidade criativa. O resultado é bem abaixo do observado nos últimos anos. A despesa cresceu nos primeiros oito meses de 2013 cerca de 6%, enquanto a receita subiu apenas 2,5% no mesmo período. Como que num castigo ao otimismo do BC, o resultado primário de agosto de 2013, publicado poucos dias após a divulgação da ata do Copom, foi o pior em quinze anos para o mês, mesmo com a ajuda da receita de dividendos transferida para o Tesouro.
Diante de tanto distanciamento entre a realidade dos números e a fantasia das promessas, custa a crer que o Banco Central possa ter apostado na "neutralidade do balanço do setor público", principalmente no contexto de um ano eleitoral que já começou. O próprio Orçamento do governo federal para 2014 indica queda do superávit primário no ano que vem, mesmo com a superestimativa do comportamento das receitas tributárias, estimadas com base num crescimento real do PIB de 4% e de uma inflação de 5%. Aliás, os números do Orçamento costumam não ser confiáveis no Brasil, como mostra a experiência de anos anteriores, assim como são menos confiáveis, infelizmente, os próprios números do superávit, cada vez mais afetados por truques contábeis.
Além disso, há problemas com o conceito adotado pelo Banco Central para mensurar a neutralidade da política fiscal, sob o prisma de suas implicações para a conduta da política monetária. Conforme descrito num "box" no último Relatório de Inflação divulgado, a instituição se vale do conceito de "impulso fiscal", pelo qual uma política fiscal é dita neutra quando for nula a diferença entre o resultado primário estrutural entre dois períodos sucessivos. Essa métrica adotada pelo BC não é a mais indicada para mensurar os efeitos da política fiscal sobre a demanda agregada, pois pode estar comparando duas situações de desequilíbrio. No contexto da condução da política monetária num regime de metas de inflação, o correto é entender neutralidade fiscal como uma situação em que nenhum ajuste da taxa de juros é necessário para que a meta de inflação seja atingida. Para tanto, o indicador relevante é o resultado primário medido como proporção do PIB e não a sua diferença entre dois períodos sucessivos como, aliás, admite o BC nos próprios modelos de projeção de inflação por ele utilizados.
Ademais, a neutralidade vista pelo BC dificilmente se harmoniza com o que vem sendo observado no comportamento da dívida pública. A proporção entre a dívida bruta do setor público e o PIB tem crescido nos últimos anos, a ponto de já ser percebida pelas agências de classificação de risco como um fator que pode levar ao "downgrade" do risco soberano brasileiro. A relação dívida bruta/PIB encontra-se hoje em 68%, tendo crescido 6 pontos percentuais apenas no governo atual e já se encontra acima do nível médio para países com "ratings" semelhantes aos do Brasil. Isso contrasta com a afirmação constante do Relatório de Inflação de que "superávits primários em patamares próximos aos que têm sido gerados recentemente são necessários para manter a dívida pública em trajetória sustentável". O problema é que o "link" entre o resultado primário e a evolução da dívida pública foi rompido pela expansão massiva da dívida tendo como contrapartida a constituição de créditos com empresas estatais - Petrobras, BNDES e Caixa Econômica - operações que não afetam o primário.
Por tudo o que foi aqui dito, o BC cometerá grave erro caso baseie suas decisões de política monetária no comportamento do "impulso fiscal" medido pela variação do resultado primário estrutural. Com uma inflação beirando os 6% ao ano, o que menos o Brasil precisa é da ficção de uma neutralidade expansionista.
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