O Estado de S.Paulo - 07/10
Embora comprove intensa atividade do governo, a profusão de notícias divulgadas nos últimos dias sobre as concessões para operadoras privadas de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos atualmente sob controle federal está longe de significar avanço no programa de melhoria e expansão da infraestrutura. As informações, na verdade, mostram que, no governo, continua a haver mais dúvidas do que certezas a respeito desse programa. Sem saber com clareza em que condições o governo aceita sua participação nesses empreendimentos, o setor privado não se arriscará a aplicar dinheiro neles.
Se alguma certeza emerge com clareza do noticiário recente é que, mais de um ano depois de anunciado pela presidente Dilma Rousseff, o Programa de Investimentos de Logística está quase parando. Pior para o País.
São inteiramente procedentes os argumentos utilizados em agosto do ano passado pela presidente para anunciar o programa, com a previsão de investimentos de R$ 133 bilhões em ferrovias e rodovias nos próximos 25 anos, sendo R$ 79,5 bilhões em cinco anos. O Brasil precisa, e com urgência, de melhores estradas e de mais ferrovias para escoar e distribuir sua produção. Precisa também de portos e aeroportos mais eficientes e com maior capacidade para atender à demanda. As perdas de produção e os custos excessivos de transporte impostos aos produtores rurais - sobretudo na época da colheita, quando filas imensas de caminhões se formam à espera do embarque de sua carga nos navios - não deixam dúvidas quanto à precariedade de infraestrutura de transportes no País. Além de provocar muitos acidentes, o mau estado das rodovias federais impõe custos adicionais aos usuários.
De acordo com o programa, serão concedidos à iniciativa privada 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias. Mas o fracasso do leilão da BR-262, entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, para a qual não houve nenhuma oferta, e o risco de contestação judicial do resultado do leilão da BR-050, entre Goiás e Minas Gerais, o que atrasaria as obras, mostram que o governo terá muitas dificuldades para colocar esse programa de pé, no prazo pretendido. O plano para as ferrovias pode ficar tão complicado quanto o das rodovias, se não se mostrar ainda pior.
Talvez perplexo com os maus resultados do primeiro leilão de rodovias dentro do Programa de Investimentos em Logística, realizado há mais de três semanas, o governo passou a examinar com sofreguidão regras alternativas que evitem sua repetição nos próximos leilões. Temendo que a desconfiança dos investidores contamine outras concessões, e ainda pressionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) - que viu inconsistências ou irregularidades nas regras já definidas para algumas delas -, o governo reviu ou está revendo também os critérios para a privatização das operações de portos e aeroportos. O resultado da discussão dentro do governo e dele com investidores privados tem sido quase caótico.
"Estamos ajustando os modelos para que apresentem alta rentabilidade e para que haja elevada concorrência", disse no início da semana passada o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Dias antes, ele estivera em Nova York para apresentar a investidores externos o que o governo considera como oportunidades para aplicações no País, num momento em que, na sua opinião, "o mundo continua com poucas alternativas de rentabilidade". Mantega garantiu que, ainda neste ano, o governo vai leiloar duas ferrovias e quatro rodovias. "Também vamos leiloar aeroportos e portos."
Pode ser. Se for, melhor para todos. Mas o que se sabe é que o governo não definiu o modelo que, como promete o ministro, possa oferecer alta rentabilidade. Até agora, os modelos utilizados, e que produziram resultados frustrantes, foram baseados em projeções subestimadas de necessidade de investimentos, taxas de retorno baixas demais, projeções superestimadas de movimentação de veículos e tarifas que não asseguram o rendimento esperado pelos investidores.
Entende-se que o governo balize seu programa pelo que chama de modicidade tarifária. Afinal, o que usuários querem é tarifa módica. Mas é preciso compatibilizar esse princípio com os interesses dos investidores. Eles querem ganhar dinheiro com o investimento, o que é inteiramente legítimo - e isso implica cobrança de tarifa adequada. Mas o governo não encontrou a fórmula para aproximar esses interesses conflitantes.
Agora, já admite que pelo menos quatro dos nove lotes em que foram divididos os 7,5 mil km de rodovias não garantirão rentabilidade suficiente para as concessionárias apenas com as tarifas de pedágios a serem pagas pelos usuários e definidas de acordo com o princípio da modicidade tarifária. Para atrair investidores sem elevar demasiadamente a tarifa, o governo parece disposto a subsidiá-la, isto é, vai utilizar recursos do Tesouro.
A inconsistência do modelo de concessão não se limita a rodovias. No caso das ferrovias, o governo foi advertido pelo TCU de que o modelo proposto não tinha amparo legal, o que exigiu sua reformulação. Isso deve atrasar o primeiro leilão. Nas audiências públicas sobre os editais para arrendamento de portos, investidores privados se queixam de que há dados incorretos ou imprecisos e faltam informações básicas, o que torna difícil a análise do investimento.
O que ocorreu no caso dos aeroportos talvez resuma a ação do governo nas concessões. O primeiro leilão, realizado no ano passado e que envolveu as operações dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, foi vencido por empresas sem experiência em operações de unidades do porte das que assumiram. Errou por escassez. Para não repetir o erro, o governo fez exigências exageradas para o próximo leilão, dos aeroportos do Galeão e de Confins, marcado para 22 de novembro. Tendo desta vez errado por excesso, foi forçado pelo TCU a corrigir o novo erro.
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