O Estado de S.Paulo - 04/10
Embarco hoje para Frankfurt, fazendo parte do grupo de 70 escritores (nunca vi comitiva maior, viva!) que vão participar das comemorações em que o Brasil é homenageado. Às cinco da tarde de domingo, 11 da manhã em Frankfurt, estarei na Zentralbibliothek ao lado de Marçal Aquino para um café literário com leitura. Ainda que a Feira de Livros (Buchmesse), não tenha começado oficialmente, uma série de atividades vem sendo desenvolvida paralelamente como preparação ao encontro que se dará a partir do dia 9. Esse café literário é coisa bem alemã. Você se senta, come, bebe, lê trechos de seus livros, os outros comensais, digamos assim, fazem perguntas e um diálogo se estabelece.
Minha primeira experiência com estas leituras se deu nos anos 80, quando vim para a Alemanha com um convite do DAAD, instituição de intercâmbio cultural que trazia anualmente para Berlim dezenas de escritores, pintores, diretores teatrais, músicos. Sem saber como era, ou funcionava, fui para a tal "leitura" e, perplexo, me vi diante de uma livraria lotada, cada um tendo pago na época cinco marcos, então dois dólares e meio. Pagos o vinho e o café, o que sobrava da arrecadação geral era dado ao autor. Profissionais. Berthold Zilly foi meu interlocutor e intérprete. Este mesmo Zilly que traduziu Os Sertões, de Euclides da Cunha, para o alemão, e atualmente dá aulas em Florianópolis como professor residente.
Marçal Aquino é autor consagrado hoje, excelente roteirista de cinema e televisão. Eu o conheci quando, jovenzinho, ganhou um prêmio em uma Bienal Nestlé de Literatura. Duas gerações conversando. Na terça-feira, após a abertura da Buchmesse que será feita por Luiz Ruffato, viajarei (claro que de trem) para Bad Berleburg, a 150 quilômetros daqui, onde acontece um festival literário. É uma vila de 20 mil habitantes, no norte da Westfalia, e que data de sete séculos antes de Cristo. Lindo lugar. Regressando a Frankfurt, estarei com a romancista Beatriz Bracher, às 10h30 do dia 12, durante uma das dezenas de mesas literárias da Feira. Nas ultimas semanas, recebi convites de amigos e editores para encontros e jantares. Com a Moderna, com a DBA, com o Instituto Goethe. A agitação toma conta.
Lembrei-me da Feira de 1994, em que o Brasil foi o tema, quando Moacyr Scliar apareceu com um laptop que nos deixou babando. Ele enviou crônicas para a Zero Hora, de Porto Alegre e para a Folha de S.Paulo direto da Buchmesse.
Por anos, frequentei Frankfurt pela ligação que tive com uma mulher excepcional, Ray-Güde Mertin, tradutora, intérprete e agente literária. Estudou na Unicamp (falava português perfeito, sem um pingo de sotaque), viveu nos Estados Unidos, não saía do Brasil. Pessoa amada, batalhadora. Morava numa cidade vizinha, Bad Homburg, que a nossa Lygia Fagundes Telles costumava chamar de "bad hambúrguer", para mexer com Ray. Em uma casa imensa e acolhedora na Friedrichstrasse, Ray nos recebia e alojava, cozinhava para nós, escritores brasileiros ou portugueses, ou nos levava a restaurantes campesinos que só quem vivia por ali conhecia. Não houve autor que, estando na Alemanha, não tenha feito dezenas de leituras ao lado de Ray, sempre bem-humorada, informada, culta. Foi agente de José Saramago. Tinha comprado um sitio no Ceará, onde pretendia passar largas temporadas. No entanto, um câncer contra o qual lutou muito levou Ray em 2007, aos 64 anos. Os que a conheceram farão uma mesa especial sobre ela, já que foi professora de literatura brasileira na Universidade de Frankfurt. Meu mais recente livro, O Mel de Ocara, lançado há dois dias, está dedicado a ela e a Curt Meyer-Clason, decano dos tradutores, que se foi também, aos 101 anos.
Outro ligadíssimo ao Brasil é o livreiro Théo Ferrer de Mesquita que aqui mantém há 40 anos uma livraria com autores brasileiros e portugueses. Pioneiro que lutou muito, Theo mantém ligações estreitas com a Livraria Cultura e com a Editora Global.
Neste ano, aqui estão autores de diferentes idades e lugares, gêneros, prosa e poesia, ensaio, tudo. Este evento gigantesco reúne editores, livreiros, editores do mundo todo. Aqui se ditam as tendências e se negociam os grandes best-sellers ou livros importantes da próxima temperada. Pavilhões a mais pavilhões (ligados por vários trenzinhos), milhões de livros da Índia, Irã, Argentina, Inglaterra, Rússia, Afeganistão, Israel, o que se pense de país existente. A melhor frase sobre a Buchmesse ainda é do falecido Antonio Callado que, ao ali entrarmos pela primeira vez, agarrou meu braço, assustado: "Isto é avassalador!"
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