O Estado de S.Paulo - 22/09
Juntei aqui, faz uns meses, um punhado de nomes de pessoas que são, também, nomes de coisas. O Guilherme, por exemplo, que é xará de uma ferramenta de carpintaria; o Luís, que corre o risco, ainda que remoto, de ser confundido com certa moeda de ouro, tanto quanto a Beatriz com um peixe, e o Alfredo, eventualmente sem luz própria, com um candeeiro. Pra quê! Foi como se tivesse cutucado uma caixa de abelhas onomásticas, da qual saiu mais um enxame de xarás de coisas, munição, já na semana seguinte, para uma segunda crônica.
E não ficou nisso. Faz seis meses que, vira e mexe, de corpo presente ou pela internet, me aparece alguém com achados para alimentar novas rodadas de substantivos que são, ao mesmo tempo, próprios e comuns. Na suposição, quem sabe procedente, de que reincidir no assunto seria incorrer no risco da chatice, deixei de lado o arsenal que não parava de crescer. Até que, na semana passada, meu amigo Flávio me trouxe uma surpresa: ao contrário do que afirmei numa das crônicas sobre o assunto, com o tom de superioridade de quem se julgava a salvo de ambiguidades, existe, sim, algo que se chama Humberto e que, como este cronista, também já teve dias melhores.
Mas vamos, antes, ao pessoal que me faz companhia nessa comprida e por vezes desconfortável fila. Caso do Roldão, que segundo o dicionário Houaiss é sinônimo de falta de ordem, bagunça ou, para rimar, confusão e desorganização. Ou do Elmo, que além do manjado capacete medieval identifica, eca, a "crosta escura que, por falta de asseio, se forma do couro cabeludo das crianças". Por que só das crianças? Não me parece justo.
O João, por sua vez, vem a ser um grande atabaque que pontua o jongo paulista, e uma árvore da família das sapotáceas - mas também um "jogador que é facilmente driblado". Para o escorregadio Garrincha, João era qualquer dos infelizes que tentavam neutralizar seus dribles. No mesmo terreno, seu colega Jairzinho, herói da Copa de 1970, veio a batizar um exercício para fortalecer os quadríceps e os glúteos. Sempre haverá quem transpire na manutenção de inspiradoras preferências nacionais.
Bia, no Norte e no Nordeste, é cerveja, assim como em alguns lugares Juçara e Cândida são o mesmo que cachaça. Cândida, coitada, é também um fungo dos mais inconvenientes - capaz de assolar, entre outras partes, o Bráulio, apelido que o Ministério da Saúde houve por mal propor, tempos atrás, para o chamado membro viril, iniciativa contra a qual imediatamente se ergueram Bráulios do Oiapoque ao Chuí, derrubando-a a pauladas. Mais sorte tem o Apolo, que quer dizer "homem belo, forte, elegante", além de uma borboleta e de um instrumento da família do alaúde.
Razões não têm para reclamar o Frederico, nome também de uma moeda de ouro da antiga Prússia, e o Nestor, assimilado a homem idoso e de grande sabedoria, num eco da Ilíada de Homero, de que é personagem. Quanto à Isabel, por mais que ame os animais, talvez maldiga quem teve a ideia de atribuir seu nome a um cavalo, ainda que belo, de cor branco-amarelada e patas e crina negras.
Laura já foi, nos primeiros tempos da Igreja, a "cela ou antro em que viviam os anacoretas". Rosa, além da flor, remete a "mulher bela" - e, de quebra, a uma "peça de latão, ornada com lavores, que serve para dourar os livros". Silvano tanto pode ser uma divindade da mitologia que reina sobre os campos e bosques, como um "indivíduo rústico, camponês rude". Dídimo estará perfeito para um gêmeo, pois significa "o que se desenvolve aos pares"; problema: que nome dar a quem, tendo chegado ao mundo ao mesmo tempo, não é menos dídimo que o outro?
Mas, afinal, e o Humberto acima referido? Trata-se, explica o Flávio, de um ciclone, fenômeno que no Hemisfério Norte costuma ganhar nome de macho. Segue-se a ordem alfabética, e estamos na letra H - circunstância que acabou me proporcionando uma coincidência: o ciclone que precedeu Humberto se chamou Hugo, nome de meu pai e meu avô.
Posar de xará de algo impetuoso seria ideia até simpática, não fosse o fato, informam os técnicos da NASA, de que Humberto está perdendo as forças - ou, na crua tradução do Flávio, "brochando", com o agravante de que não há viagra capaz de empinar ciclone esmorecido.
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