O Estado de S.Paulo - 25/09
O que está acontecendo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é mais uma demonstração do pouco-caso dos governos em relação a setores da administração pública que, embora de grande importância para a população, não têm para eles maior interesse, porque são destituídos de apelo político e eleitoral. Dar atenção ao funcionamento de serviços como o da previsão do tempo - uma das funções do Inpe - ou, para citar mais um exemplo, à contratação de fiscais para assegurar o cumprimento de leis que, sem isso, viram letra morta não rende voto. Para que então perder tempo e dinheiro com isso?
Mas um dia - como acontece agora - esse desleixo cobra seu preço. A Justiça Federal considerou irregulares e anulou 111 contratos temporários firmados pelo Inpe, o que resultará na demissão de técnicos, engenheiros e pesquisadores que, em sua maioria, trabalham no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). Os dados coletados e as análises feitas pelo CPTEC não servem apenas para informar se vai chover ou fazer sol no dia seguinte.
São utilizados também para previsões de mais longo prazo, de grande utilidade para orientar as ações de setores importantes da economia, que vão do agronegócio à exploração de petróleo. O Operador Nacional do Sistema Elétrico precisa desses dados para determinar se os níveis dos seus reservatórios permitirão às hidrelétricas atender à demanda, ou, em caso contrário, programar a ligação de termoelétricas para suprir essa falta. O CPTEC fornece ainda os dados para a elaboração de mapas de risco pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. A demissão daqueles técnicos vai afetar também o funcionamento do Laboratório de Combustão e Propulsão, que faz testes com combustíveis para satélites.
O que está em jogo com a crise do Inpe não são, portanto, questões menores. É preciso entender, por isso, como e por que se chegou a tal situação. Essa é uma condição essencial para evitar a sua repetição.
Desde os anos 1990, o Inpe está às voltas com falta de pessoal para a execução daquelas tarefas. Em vez de criar vagas para os funcionários necessários e abrir concurso para preenchê-las, optou-se por uma solução de facilidade - a contratação de terceirizados, de legalidade duvidosa. Em 2003, o Tribunal de Contas da União vetou essa medida. Mais uma vez, improvisou-se. Com base na Lei 8.745, que permite contratar pessoal temporário, em caráter de emergência, em determinadas situações, foi feito em 2010 concurso para preenchimento daqueles 111 cargos.
O Ministério Público entendeu que esse procedimento era ilegal, tendo em vista que as funções que esse pessoal exerce são permanentes, e entrou com ação civil em 2011 na Justiça Federal, que acaba de lhe dar razão. Embora caiba recurso da decisão, que é de primeira instância, foi dado prazo de 45 dias - a contar da data em que o Inpe foi notificado -, que vence em 10 de outubro, para a suspensão dos contratos.
Em entrevista ao Estado, o diretor do Inpe na época em que foi realizado o concurso, Gilberto Câmara, expôs sua posição com muita franqueza e deixou mal o governo: "Eu precisava contratar gente, não tinha vaga. Me deram a opção dos contratos temporários. Eu sabia que estava errado, mas não tinha escolha. Ou diria que no dia seguinte pararia a previsão do tempo?". O que não aconteceu então pode acontecer agora, como ele mesmo reconhece, porque os técnicos a serem demitidos são essenciais para a previsão do tempo.
Tudo isso porque os governos que se sucederam desde que começou a faltar pessoal no Inpe trataram o problema com má vontade. Não foi nem por economia, mas puro desleixo, porque compraram para o Inpe um supercomputador de R$ 50 milhões, mas não se deram ao trabalho de fazer o elementar - criar as vagas necessárias e fazer concurso para seu preenchimento.
Agora que o mal está feito, promete-se tratar o problema como se deve. Será que se aprenderá a lição?
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