sexta-feira, setembro 27, 2013

Começa o desmonte dos estímulos pós-crise - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 27/09/2013

O setor público brasileiro perdeu a capacidade de gerar superávits primários elevados. O Tesouro Nacional está esgotando a possibilidade de dar crédito aos bancos públicos mediante emissão de dívida ou por instrumento híbrido de capital - até julho foram R$ 440,4 bilhões, ou 9,5% do PIB.

A apreciação da taxa de câmbio, que tanto ajudou a manter a inflação sob controle, mudou sua tendência para depreciação. Os juros, que chegaram a ficar abaixo de 2% em termos reais, sobem. Ao conter os reajustes de preços monitorados, o governo represou a taxa de inflação.

É possível ir levando a economia assim, com uma correção aqui, outra medida alí - até as eleições presidenciais de outubro de 2014. Mas é hora de se pensar em como desmontar a cadeia de estímulos concebidos pelo governo após a crise financeira global de 2008/2009 para reanimar a economia.

Em discurso para investidores internacionais na quarta feira, em Nova Iorque, a presidente Dilma Rousseff falou o que o mercado e as agências de rating queriam ouvir: "Queremos rigor fiscal". E foi além, ao informar que seu governo decidiu colocar um limite na expansão acelerada dos bancos públicos após a crise mundial. A participação desses bancos na concessão de crédito, que era de 33% em 2008, cresceu para 50,5% este ano até julho.

Dilma disse: "A orientação que nós tomamos é que essas instituições, as nossas instituições públicas, retornem às suas vocações naturais. Trata-se, portanto, de um reposicionamento dos bancos públicos na expansão do crédito ao investimento" que deve contar, segundo ela, com maior participação do financiamento privado.

Investidores presentes ao encontro até gostaram do que ouviram, mas são descrentes da possibilidade de o governo começar a regrar o crédito para o BNDES ou para a Caixa, ainda mais diante da demanda que as concessões de serviços públicos vão gerar por financiamentos.

Como é parte do calendário político que os governos não façam mudanças bruscas nem tomem medidas impopulares em períodos pré eleitorais, firma-se a convicção de que vários dos problemas à espera de solução vão ter que aguardar 2015. Os economistas, porém, já começam a discutir olhando para a próxima administração federal. Seja Dilma reeleita ou algum outro candidato vitorioso, o fato é que há questões suprapartidárias que deverão ser enfrentadas pelo novo governo. Talvez a mais desafiante seja a da "reindustrialização" do país, um assunto que o economista Edmar Bacha colocou na ordem do dia. Mas há outros também importantes.

Por exemplo, se o câmbio - cuja tendência é de depreciação - não deve mais jogar a favor do controle da inflação, esta ficará por conta unicamente da taxa de juros. Mas a excessiva expansão do crédito direcionado (a juros subsidiados) dos bancos públicos reduz o alcance e a eficácia da política monetária, que afeta só a parcela do crédito livre.

Outra se refere aos destinos da política fiscal. Nos dois últimos anos os resultados da política fiscal têm se deteriorado e o setor público não consegue mais produzir os superávits da ordem de 3,1% do PIB. Mesmo a meta deste ano, de 2,3% do PIB, está difícil de ser atingida e o mais provável é que o saldo feche em 2% do PIB. Estima-se que o superávit recorrente hoje seja da ordem de 1,8% do produto, percentual que tende a se repetir em 2014.

Constatada essa realidade, o ex-secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, fez na semana passada em seminário em Washington e reiterou ontem, em debate no Rio, uma proposta: formalizar como meta de governo um superávit primário baixo, mas realista, e em compensação, começar a reduzir, de forma gradual, as transferências de recursos do Tesouro Nacional para os bancos oficiais, sobretudo para o BNDES, banco que deverá diminuir de tamanho e se voltar para o crédito à inovação, infraestrutura e pequenas empresas.

Dos R$ 440,4 bilhões de crédito da União junto a bancos públicos, R$ 383 bilhoes foram para o BNDES e desses, R$ 237 bilhões para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI). "O PSI é um programa caríssimo", avalia. No ano passado o banco recebeu R$ 45 bilhões e reivindica junto ao Ministério da Fazenda um aporte de mais R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões para cumprir os desembolsos até o fim do ano.

Além da acumulação de reservas cambiais, os recursos repassados aos bancos públicos são o segundo maior responsável pela elevação da dívida bruta do setor público para a casa dos 60% do PIB, o que chamou a atenção das agências de rating que acenam para o governo com um "downgrade". Descontadas as reservas, o estoque de dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e os aportes ao BNDES, a dívida cai para 34% do PIB em termos líquidos.

A taxa de juros implícita na dívida pública, porém, não baixou de 15% nos últimos 12e meses, enquanto a Selic chegou a seu patamar mais baixo (7,25% ao ano) e agora está em 9% ao ano. A taxa implícita é a expressão da diferença entre os juros que o Tesouro paga e o que recebe, e é maior na medida em que ele aumenta o montante dos ativos que rendem pouco.

Barbosa saiu do governo em junho, cumpriu o período de quarentena e voltou agora a participar do debate. Nas apresentações que fez ele listou o que considera os problemas mais imediatos e os desafios para 2015/2018. A inflação reprimida; o aumento da dívida bruta, que bloqueou a redução dos custos financeiros da dívida pública; e o realinhamento da taxa de câmbio são questões de curto prazo.

Do lado fiscal, sugere menor superávit primário mas, em contrapartida, um compromisso explícito e com metas de redução da dívida bruta a partir do corte gradual nos aportes de recursos aos bancos públicos. Como os principais desafios, ele coloca a reforma da previdência, da legislação trabalhista e a "reindustrialização".

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