segunda-feira, julho 29, 2013

Relativa calmaria - DENIS LERRER ROSENFIELD

O GLOBO - 29/07

País entrou em uma disputa partidária sobre a reforma política quem nem nas ruas apareceu. O descolamento aumentou



Toda “política econômica”, por definição, é “política” por envolver marcos institucionais, onde tanto podem se fazer presentes formas de intervencionismo estatal quanto modos mais livres de funcionamento do mercado, assim como o respeito ou desrespeito ao direito de propriedade. É graças ao modo mediante o qual os cidadãos tecem as suas relações institucionais e constitucionais que os processos propriamente econômicos encontram o seu lugar de funcionamento.

Se tal formulação já é verdadeira no marco mais geral, ganha ela particular significação quando vista na perspectiva de períodos pré-eleitorais e, mais precisamente, de crise, como essa enfrentada pela sociedade brasileira pós-jornadas de junho-julho. Note-se que estas últimas puseram a nu um sério problema de representação política, com os políticos e governantes em geral mostrando-se como separados, diria mesmo desapegados, em relação aos cidadãos do país.

O governo federal (e os estaduais e municipais), diante deste quadro, se mostrou desorientado, dissociando-se dos clamores populares. O país entrou em uma disputa partidária sobre a reforma política que nem nas ruas apareceu. O descolamento aumentou.

Mais particularmente, o país encontra-se em um processo de baixo crescimento econômico, a inflação encontra-se longe do centro da meta, com o governo contentando-se em dizer que ela não passará do teto da mesma meta, o que é uma evidente distorção. O emprego já começa a dar mostras de desaceleração, mantendo-se estável, com uma leve tendência de queda. O alarme já soou em um contexto que se apresenta como difícil de reeleição, em um jogo que, a persistir a atual situação, encontra-se zerado.

Decisões econômicas são urgentes. Seu componente político é inegável. O cálculo eleitoral comparece imediatamente. Ocorre que decisões que visem ao bem comum deveriam ser tomadas em suas perspectivas de médio e longo prazos. Ora, são bem essas que desaparecem do horizonte. O passado recente do país, envolvendo tanto o PMDB (Plano Cruzado e outros do governo Sarney) como o PSDB (crise cambial do governo FHC), mostra o quanto, por razões eleitorais, decisões econômicas maiores são postergadas, mergulhando o país, no presente dessas mesmas decisões, na crise e no imediatismo.

Como se já não bastassem a inércia econômica e as soluções “criativas” como a da contabilidade fiscal, o governo atual enfrenta-se com anseios cidadãos, não atendidos, que podem irromper novamente a qualquer momento, e muito provavelmente nos meses anteriores às eleições do ano próximo, quando dos preparativos e no próprio Mundial. O que esperar?

O governo optou por uma política econômica dirigista no nível estatal, não hesitando em interferir nos mecanismos de mercado, diante dos quais guarda uma desconfiança visceral. Responde aos problemas do mercado com mais intervencionismo, agravando os problemas que procura resolver. Quanto mais procura regular, mais desregulamentação produz. Os impasses e dilemas não cessam de se reproduzir. Vejamos alguns, salientando o seu caráter propriamente político.

Inflação. Não é de interesse político do governo que a inflação fuja do controle, embora não tome medidas que propriamente possam trazê-la para o centro da meta, salvo através de intervencionismos pontuais como a redução do preço da energia elétrica e a desoneração tributária de alguns setores, entre outros. A equação é política, porque um aumento da inflação recai predominantemente sobre as classes mais desfavorecidas, que sentem no bolso o aumento do custo de vida. Ora, essas classes são beneficiárias do Bolsa Família e constituem a nova classe ascendente. A inflação surge, então, como um problema político-eleitoral. O que faz o governo? Em vez de diminuir o peso da máquina estatal, reduzindo o seu custeio, responde com mais intervencionismo, e alimentando o processo inflacionário que busca equacionar.

Consumo da classe média. Muito tem sido criticado o fato de o governo privilegiar o crescimento da economia apostando no consumo em vez do investimento. O modelo baseado no consumo está dando mostras de esgotamento, visível nos pífios índices de crescimento do PIB. As autoridades econômicas, diante desse fato, só estão dando respostas pirotécnicas, falando idilicamente de um crescimento futuro que se desmente a cada dia. Perdem legitimidade e nada transmitem de confiança, elementos essenciais para uma economia de livre mercado.

Do ponto vista social, não parece haver, no curto prazo, horizonte para que isto se altere, salvo se a presidente optar por uma posição de estadista, alterando o rumo da política econômica, visando ao longo prazo. Ocorre que sua base eleitoral está ancorada em uma política expansionista de consumo, que se traduz em maior compra de automóveis, fogões, geladeiras, etc. Não é casual que, depois do Minha Casa Minha Vida, o governo adote uma política de equipamento eletrodoméstico dessas mesmas moradias. Os empréstimos bancários se multiplicam e as dívidas dos que os contraem só aumentam. A longo prazo, é altamente problemático, a curto rende dividendos eleitorais.

Responsabilidade fiscal. Nesse contexto, falar de responsabilidade fiscal torna-se, quando muito, um exercício de retórica, visando a transmitir uma confiança inexistente. Aliás, os cortes anunciados, da ordem de R$ 10 bilhões, só frustram ainda mais as expectativas. Há uma razão política de fundo para que isto aconteça, pois o governo nem bem consegue implementar as suas próprias políticas, por problemas evidentes de gestão. Boas iniciativas como privatização dos aeroportos, rodovias e nova lei dos portos tendem a ficar presas no emaranhado da incompetência e da burocracia. Faz parte dela também uma desconfiança em relação ao lucro.

Nesse meio tempo, as ruas estão cada vez mais dissociadas do que está sendo discutido no mundo político. A relativa calmaria atual pode ser o prenúncio de novas tempestades futuras.

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