REVISTA VEJA
Voto distrital é feito para eleger representantes de uma comunidade de eleitores, não de um estado. Misturar populações de estados diferentes para formar distritos viria ao encontro do espírito que o anima.
Costuma-se culpar o "pacote de abril", funesta reforma baixada pela ditadura, em 1977, pela distorção. O pacote de abril é culpado por muita coisa, inclusive pela grotesca instituição do "senador biônico" (não eleito, mas nomeado), mas não por isso. Os limites vêm desde a Constituição republicana de 1891 (mínimo de quatro e máximo por um cálculo variável) e vieram se agravando (a Constituição de 1946 previa mínimo de sete e máximo também por um cálculo variável) até chegar ao ápice na Constituição de 1988, justamente a mais democrática de nossa história. Segundo teoria geralmente aceita, interessa aos governantes conferir maior representatividade a regiões menos populosas por serem de mais fácil manipulação. A imposição de limites seria portanto um freio de espírito conservador contra as aspirações dos setores sociais mais avançados.
A questão não vem de agora, nem é apenas daqui. No Japão agora mesmo a má distribuição dos distritos pelos quais são eleitos os deputados levou a Suprema Corte a declarar a Câmara em "estado de inconstitucionalidade". Em toda parte do mundo, as relações entre regiões, estados, municípios ou até bairros são embaraçosas e difíceis de superar. A equidade é ainda mais reclamada, e a distorção fica mais evidente, quando o sistema de eleição dos deputados é o majoritário em distritos reduzidos — o sistema conhecido no Brasil por "voto distrital". Caso fosse instituído entre nós, sem mexer com os limites constitucionais vigentes, cada distrito de São Paulo teria 600.000 eleitores, contra 58.750 em Roraima — receita certa para uma Câmara estapafúrdia, em que a carência de representatividade ficaria ainda mais exposta do que na atual.
É difícil estabelecer negociações entre unidades federativas quando de algumas se pede que abram mão do que supõem sejam conquistas. O Tribunal Superior Eleitoral determinou em abril, com base nos resultados do Censo de 2010, uma atualização das bancadas que implicaria, nas eleições de 2014, o aumento delas em cinco estados e a diminuição em oito. Maior ganhador, o Pará ficaria com quatro deputados a mais, mas a maioria ganharia ou perderia apenas um. O presidente da Câmara avisou de pronto que o assunto era delicado e demandava reflexão. Nunca se procedeu à atualização das bancadas, desde a Constituição de 1988; a tendência é sempre deixar as coisas como estão. Se é assim com os pequenos ajustes, imagine-se com um maior, como o que revogaria os limites máximo e mínimo. E, se os ajustes são difíceis assim no sistema atual, imagine-se no caso de ser implantado o voto distrital.
Uma possível estratégia para quebrar o impasse seria radicalizar o conceito de que deputado é representante do povo. O conceito já está escrito na Constituição: radicalizá-lo significaria precisar que, sendo representante do povo, não é do estado. Nas regiões fronteiriças, haveria distritos que misturariam populações de um lado e de outro; e estados de escassa população, como Roraima, se juntariam a vizinhos para formar um distrito. Voto distrital é feito para eleger representantes de uma comunidade de eleitores, não de um estado. Misturar populações de estados diferentes para formar distritos viria ao encontro do espírito que o anima. De quebra, com isso se valorizaria o papel do Senado, esta sim a Casa de representação dos estados, hoje tão redundante com relação à Câmara.
Para não deixar em branco o assunto da semana: o papa Francisco, na pose e nos gestos, é menos eclesiástico do que o vice-presidente Michel Temer.
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