Para a democracia, não é bom ter garantia, com dois anos de antecedência, do resultado de uma eleição. E tudo parecia que estava assim. Os índices de popularidade elevados, apresentados pelos institutos de pesquisa de opinião, deram ao governo confiança excessiva. A campanha para a reeleição teve uma estreia intempestiva com a presidente usando cadeia nacional de rádio e TV, a que tem direito como chefe de Estado, para discursos de candidata. Pior: acusou os que divergem dela de torcerem contra o país. O Estado sou eu, parecia querer dizer.
Os que duvidavam do cenário que ela descrevia nos pronunciamentos, comparou com o "velho do Restelo", de Camões, querendo dizer que os que não concordavam com ela eram pessimistas, conservadores e não viam o novo mundo.
O que os manifestantes brasileiros mostraram, em sua maioria, é que há uma série de motivos para insatisfação no cotidiano da vida brasileira: na educação, saúde, combate à corrupção, transporte, no desempenho do Legislativo e na ameaça que pesava sobre o Ministério Público.
A reação foi a que deve haver numa democracia sólida: os poderes começaram a se mexer diante dos sinais de descontentamento e apresentaram propostas de mudanças. Nem todas boas, mas louve-se a atitude de sair do marasmo em que o país se encontrava, ficando com a conjuntura econômica um pouco pior a cada dia, e a governante, com ouvidos abertos apenas ao seu publicitário. Quem poderia imaginar ver o plenário da Câmara cheio, em atividade, e a população protestando contra gastos excessivos em estádios, no meio do jogo Brasil x Uruguai, no país do futebol? Alguma coisa mudou para melhor no Brasil.
Ondas de manifestação na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra chamam a atenção, ocupam espaço no noticiário, mas ninguém acha que isso alterará a ordem institucional. No Parlamentarismo, mudanças de governo fazem parte das regras institucionais. Acaba de acontecer na Austrália. Não é crise. Nos países árabes, os manifestantes derrubaram governos, que precisavam mesmo cair, mas o momento seguinte foi caos político e até guerra civil, como na Líbia.
Por isso, mesmo com os excessos e episódios lamentáveis em algumas passeatas, o que houve até agora foi o normal nas democracias. Lembra aos senhores governantes que nada está garantido de véspera e que o eleitor não se torna um ser incorpóreo nos quatro anos entre uma eleição e outra. As respostas que estão sendo dadas pelos governantes não são necessariamente boas, nem têm efeito imediato. O recuo generalizado nas tarifas este ano não resolve a qualidade do transporte público, nem do preço. As tarifas são calculadas por fórmulas opacas, premissas duvidosas, e repasses de custos mal verificados. Se a redução da tarifa for coberta por mais subsídio, fica na mesma. O contribuinte paga.
Se o transporte público é gratuito, o dinheiro sai dos impostos. Imagina só transporte de trabalhador que deixaria de ser pago pelas empresas para ser quitado pelos cofres públicos? Um alívio para as empresas, mas um custo para o governo. Redução de imposto sobre diesel, que é poluente, faz menos sentido do que incentivo ao uso do biodiesel. Mais relevante seria buscar um sistema de transporte mais racional, com menos ônibus, e modais mais eficientes e menos poluentes.
Uma coisa é certa: neste debate ficou claríssimo o quanto o governo errou ao dar a montanha de dinheiro que deu para o carro particular e o subsídio à gasolina nos últimos anos. Dinheiro que, se aplicado em transporte público, estaria transformando a vida nas cidades.
Se as tarifas públicas forem congeladas é evidente que haverá menos investimento, ou porque novos empresários não entrarão no setor ou porque as empresas ficarão descapitalizadas.
Mas o grande ganho do movimento das ruas foi fortalecer a democracia e tirar o governo da certeza da vitória prévia.
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