O GLOBO - 06/02
Ao partir para o congelamento de preços, país cumpre a maldição de que certas sociedades vivem ciclos repetitivos de sempre cometer os mesmos equívocos
Ser latino-americano de meia idade é já ter presenciado as mais mirabolantes e heterodoxas tentativas de política econômica. Dolarizações — o Equador ainda insiste —, diversas modalidades de controles cambiais, troca de moedas. Em vão, pois toda esta criatividade está sempre a serviço da ideia inexequível de se estabilizar economias sem praticar a responsabilidade fiscal, entre outros requisitos das boas práticas no ramo.
A Argentina faz jus ao acelerado processo de conversão ao chavismo bolivariano e acaba de selar acordo com as maiores redes de supermercado para congelar preços. Congelamentos e tabelamentos são artifícios antigos no continente, abraçados com ardor nesta febre de nacional-populismo que assola a região, pois se ajusta como uma luva à visão intervencionista e autoritária do mundo, marca deste tipo de regime político.
Não é coincidência que o negociador do congelamento, em nome do governo, tenha sido o feroz secretário de Comércio Exterior, Guilherme Moreno, o mesmo que ameaça fisicamente os adversários políticos. Para esses “serviços” mafiosos conta com o apoio de não menos ferozes torcidas organizadas de clubes argentinos (os “barras bravas”).
O acordo com os supermercados vigorará até 1º de abril. Como o IBGE argentino, o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos), está sob intervenção do próprio Moreno, é aposta certeira que os índices oficiais de preços cairão durante algum tempo. Se dará certo, é preciso esperar. Mas ensina a experiência que a chance de isso acontecer é nula.
O governo de Cristina Kirchner se vale do surrado instrumento do congelamento porque a situação se grava, e a Casa Rosada considera “neoliberal” combater a inflação como ensinam os manuais: corte de gastos, câmbio real. E como a velocidade da elevação dos preços cresce, o reflexo condicionado de um governo neopopulista o leva a intervir na formação de preços.
O momento é delicado também do ponto de vista diplomático, no relacionamento com o Fundo Monetário e, por tabela, com o resto do mundo pelos canais financeiro e de comércio.
Depois da intervenção de Moreno, o Indec passou a maquiar a inflação, para ela não se afastar do nível de 10%, quando, segundo entidades independentes, a taxa verdadeira está em 25%. Entidades estas sob ameaça da poderosa Casa Rosada. Esta manipulação levou o FMI a censurar a Argentina, para irritação de Cristina K., e a dar-lhe um prazo, até 29 de setembro, para corrigir a situação. O congelamento deve fazer parte de um plano para enganar o FMI. (Não será qualquer mérito, pois outros latino-americanos já o fizeram).
Mas, como em todo congelamento, haverá, cedo ou tarde, mercado negro e/ou desabastecimento. A Argentina confirma a maldição de que certos países vivem ciclos repetitivos de sempre cometer os mesmo erros.
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