GAZETA DO POVO - PR - 19/01
O correto seria dizer cabrito, porque o ruminante Galeguinho que ganhou as primeiras páginas dos jornais parece novo – bode lembra bicho velho, fedorento, enfezado. No dicionário Houaiss há cinco acepções para o bovídeo, a primeira com 20 significados diferentes, a maioria deles depreciativos. A partir de agora, “bode” ganha novo sentido, metafórico, como os demais: equivale a despudor. Bode tornou-se a corrupção explícita que se escancara a cada dois anos quando os dois vice-reinados do Congresso escolhem suas mesas diretoras, presidentes e operadores das bandalheiras.
Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que em passado recente pertencia à tropa de choque de FHC, agora quer liderar a Câmara Baixa a serviço do lulismo. Pertence a um dos clãs que dominam o Rio Grande do Norte há mais de meio século, filho de Aloísio Alves, histórico udenista, dono da aguerrida Tribuna da Imprensa e que, depois do golpe de 1964, bandeou-se para a oposição e filiou-se ao antigo MDB.
O bode Galeguinho foi descoberto pela Folha de S.Paulo em Natal, quando se comprovou que um dos principais assessores de Alves recebera uma verba de R$ 6 milhões por conta de uma emenda ao orçamento federal proposta pelo próprio padrinho, Henrique Alves. A empresa beneficiária estava instalada numa modesta casa guardada pelo pobre Galeguinho – primeiro caso de caprino criado por “laranjas”.
O outro candidato a vice-rei, este na Câmara Alta, é Renan Calheiros (PMDB-AL), cuja coerência e sabujice política não o diferenciam do colega deputado. Foi ministro da Justiça no governo FHC e depois, empurrado por José Sarney, abancou-se na presidência do Senado. Foi obrigado a renunciar em 2007, quando a revista Veja revelou suas escandalosas ligações com uma empreiteira que bancava até um relacionamento extraconjugal.
Desde o fim da ditadura, o PMDB já ocupou a presidência do Senado 14 vezes – na era Lula, cinco. Na Câmara, o PMDB presidiu cinco mandatos (dois deles com a figura ínclita e salomônica de Michel Temer, um a serviço de FHC, outro de Lula).
Por ironia, o PMDB, antigo bastião da resistência ao arbítrio da ditadura, tornou-se símbolo da degradação do Legislativo, embora o episódio extremo, preciosa caricatura, tenha sido protagonizado por Severino Cavalcanti, malufista pernambucano.
Renan Calheiros como chefe do Poder Legislativo é uma aberração política e moral. É simultaneamente uma convocação para a reforma política, sem a qual o Brasil Potência continuará brilhando no segmento das Repúblicas de Bananas. O parceiro Henrique Alves, na presidência da Câmara – segundo na linha de substituição do presidente da República –, tornou-se retrato do nepotismo, do corporativismo e da desmoralização do Congresso. O que antes se designava como “classe política” e até mesmo como “elite política” hoje está sob o manto da prevaricação. José Sarney, mentor e inspirador da dupla, vai se retirar; os herdeiros são suas réplicas.
Ambos esperneiam contra a judicialização do processo político brasileiro, porém garantem a continuidade da democracia togada, consolo e distorção do Estado de Direito. Ambos encarnam encrencas. O povo é sábio nos ditados, sobretudo quando vaticina que isso, um dia, vai dar bode.
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