segunda-feira, janeiro 14, 2013

2013 - Ano Velho ou Novo? - ROBERTO DaMATTA

REVISTA ÉPOCA



Perguntaram a Santo Agostinho de onde vinha o tempo, e ele disse: o tempo vem do futuro que ainda não existe; passa pelo presente, que não tem duração; e vai para o passado que não existe mais. Não tenho nenhuma afinidade com futurologias e sofro de aversão a previsões, sobretudo quando anunciam ideias grandiosas. O século XX (com duas grandes guerras e vários holocaustos e barbarismos) é a melhor prova do poder des­trutivo de receitas para melho­rar o mundo - como o nazismo, o comunismo e os vários autoritarismos latino-americanos, todos marcados por um exces­so de credos com seus inevitáveis e sedutores milenarismos.

Mas concordo com Santo Agostinho que estamos todos num gigantesco trem histórico chegando à estação 2013 para, em seguida, deixá-la e esquecê-la.

Penso que o ano de 2013 rea­firmará nosso desejo de permanecer brasileiros. O que temos consolidado nesta primeira década deste século XXI não é a visão tremendamente pessimista que tínhamos na entrada do século XX. Uma vi­são marcada pela teoria do "quanto pior, melhor". Realmente, na alvorada do século passado, pelos 1913, vivíamos uma intensa instabilidade política justamente porque a República de 1889 proclamava no papel uma igualdade de todos perante a lei - a regra de ouro da democracia republicana - por cima de uma sociedade cuja experiência e rotina era aristocrática, escravocrata e hierárquica. Nos­sa instabilidade do século passado se explica pela dissonância entre a República, com seus ideais de igualdade e liberdade, e uma sociedade constituída de barões, bispos, senhores de engenho e ex-escravos cujas rotinas se fa­ziam fora do igualitarismo do mercado e, acima de tudo, de um civismo ausente e ignorado por suas elites.

Além da mestiçagem conde­nada pelo racismo vigorante em todo o mundo, tínhamos um hibridismo sociopolítico resultante de um longo processo histórico, durante o qual aca­salamos misturas com o ideal simples da igualdade democrática. Nesta Terra de Santa Cruz os portu­gueses casavam com as índias e se acasalavam com as negras. Surgiu daí um sistema marcado por uma imensa verticalidade, mas sem as distâncias sociais que eram o marco da colonização-padrão adotada pelos modelos europeus, sobretudo do inglês, francês e holandês. Mesmo o sistema espanhol era muito mais rígido do que o nosso quando, em 1808, a corte portuguesa veio para o Brasil e nosso país passou a ser o centro de um imenso domínio colonial.

Convenhamos que, com esse passado, fazer funcionar (ou nem sequer compreender) uma República - ou seja: um futuro de cidadania e de igualdade, numa cultura cujo passo foi marcado pelo escravismo e pelas etiquetas dos baronatos e dos catolicismos cuja preocupação era "um lugar para cada coisa e cada qual em seu lugar" - não é uma tarefa fácil. Pois, como ensina Santo Agostinho, passado, presente e futuro são muito mais misturados do que pensa nossa vã filosofia.

É nesse contexto histórico que devemos compreender as idealizações do "Estado" como mais importante agente de mudança da sociedade, bem como sua brutal autoridade. A estadolatria e a estadomania - a noção segundo a qual o salvador do sistema é o "Estado" - tiram da sociedade seu papel. Esse papel que hoje começamos a criticar quando verificamos que tem sido a idealização do "Estado" a responsável pelos messianismos esquerdistas e direitistas, bem como dos surtos autoritários do getulismo e do governo militar, ao lado do interlúdio com uma vivência democrática - conturbada por esse mesmo estatismo - nos governos de Juscelino, de Jânio e de João Goulart.

No meu entender este século XXI não permite mais a leitura do Brasil como um combate entre capitalismo e socialismo, mas - eis a novidade - obriga a ver como problema a sintonia entre governantes e governados. Ninguém, depois da experiência desses governos petistas, pode admitir que quem governa possa ter mais privilégios do que os governados. Ou, em outras palavras, que ser do partido ou do "governo" signifique isenção de punições. 2012 será lembrado, sobretudo, pelo mensalão. Serão as implicações e reações a esse julgamento - que resultou em condenação a prisão de todo cardinalato petista, inclusive de seu "capitão do time", José Dirceu - que vão certamente marcar 2013. Suas resultantes podem significar o fechamento do sistema democrático e do liberalismo no Brasil por crises institucionais de vários calibres - entre o Supremo e o Congresso, ou pela castração da Promotoria-Geral da República ou da mídia. Poderão, em sentido oposto, significar maior abertura e demanda de mais igualdade cívica e jurídica.

Mas isso não é tudo, pois este 2013 vai ser marcado pelos desdobramentos morais inevitáveis do "affaire" Lula-Rosemary Noronha, um caso cuja lógica vem reiterar a resistência e o poder dos laços pessoais na vida coletiva do Brasil. O que esse caso revela com todas as letras é a intimidade transformada em mecanismo de aristocratização de agentes e, muito pior que isso, de agências do Estado. A rede centrada em Rose tem a mesma lógica do "você sabe com quem está falando?" e do "jeitinho". Ela mostra como redes de relações pessoais ultrapassam a lógica do mérito e do bem- estar social, esse centro de qualquer sistema republicano. Se os cargos públicos são negociados entre amigos, se agências governamentais importantes, inventadas para ampliar eficiência e decisões independentes, são ocupadas por parceiros da amiga do presidente, vai pelo ralo a ideia de um distanciamento mínimo entre pessoa e cargo. Entre governo e Estado. Entre partido político e nação.

Temos, pois, a seguinte equação: 2013 será ano novo se pudermos prosseguir na demanda por um sistema mais igualitário. Um sistema no qual o Estado trabalhe para a sociedade, e o governo tenha em mente o Brasil como um todo em suas decisões. É o partido do poder quem serve ao Brasil, e não o contrário.


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