sexta-feira, dezembro 28, 2012

Trabalho e preconceito - RASHEED ABOU-ALSAMH

O GLOBO - 28/12


Os clérigos têm que sair das cavernas dos seus preconceitos, e aceitar mulheres trabalhando ao lado de homens



O ministro do Trabalho da Arábia Saudita, Adel Fakieh, surpreendeu ao admitir numa entrevista que o número de sauditas desempregados é de dois milhões, muito maior do que o estimado. Disse isso no contexto do novo programa do governo de “saudização” lançado em abril de 2011 — o Nitaqat, ou Pontos, em português —, que visa a punir empresas com nenhum ou poucos trabalhadores sauditas. O problema é que essa vontade de dar mais trabalho para jovens esbarrou na realidade de que muito do trabalho hoje feito por estrangeiros, como a coleta de lixo, seria rejeitado por eles. E o governo saudita ainda enfrenta a rejeição de empregos para mulheres pelos clérigos mais conservadores, que querem deixar as mulheres trancadas em casa.

O programa Nitaqat começou a vigorar mês passado, e impôs multas de 2.400 riyals (equivalente a R$ 1.325) por trabalhador estrangeiro a mais que as empresas estiverem empregando. Isso gerou muitos protestos por parte de empresas de limpeza urbana, que têm uma maioria de trabalhadores estrangeiros. Elas alegam que essa nova lei não faz sentido para empresas com suas características, pois lhes é quase impossível atrair sauditas para trabalhar, exceto nas áreas de chefia e gestão. Mesmo assim, acho que existe uma ampla variedade de trabalhos que sauditas podem fazer, como, por exemplo, ser atendentes em restaurantes de fast food, ou trabalhar como caixas em supermercados. Já acontece há anos, com o McDonald’s e a rede de supermercados Panda empregando sauditas, homens e mulheres, nesses cargos. E, como em qualquer outro país, há sauditas que não querem se formar no terceiro grau, mas mesmo assim precisam de empregos onde eles podem aprender novas habilidades e melhorar de cargo e salário.

Outro problema que a Arábia Saudita enfrenta na área de emprego é o fato de que a maioria dos sauditas trabalha para o governo, e pouquíssimos na área privada. Salários iniciais oferecidos por cargos públicos têm sido mais altos que na área privada, e é por isso que nove em dez dos trabalhadores na área privada são estrangeiros. Empresários têm tirado vantagem do fato de que em certas áreas podem contratar vários estrangeiros com o salário que pagariam para um saudita. Num país onde o capitalismo e o mercado livre são peças-chave da economia, é difícil convencer esses empresários a empregar mais sauditas que, além de custarem mais caro, são geralmente menos eficientes do que seus homólogos estrangeiros.

O ministro Fakieh disse em outra entrevista recente que a maioria dos trabalhos feitos atualmente por estrangeiros não era adequada para sauditas. O diretor de integração econômica no Conselho de Cooperação do Golfo em Riad, Abdelaziz Aluwaisheg, apontou no “Arab News” que somente 14% dos empregos na área privada podiam ser nacionalizados, ou 1,1 milhao de empregos. Ele indica que, mesmo se o governo conseguisse vagas de emprego para 1,1 milhão de sauditas desempregados, isso deixaria 900 mil ainda desempregados. E, com 200 mil novos formados entrando no mercado de trabalho todo ano, o governo tem uma tarefa hercúlea para achar empregos para todos.

Para tentar amenizar a dificuldade de ser desempregado, o governo saudita começou, há um ano, a pagar um seguro-desemprego de US$ 533 por mês para cada um dos mais de um milhão de sauditas desempregados oficialmente registrados. O seguro pode ser pago por até 12 meses. Isso foi um alívio para muitos sauditas, mas mesmo assim o que vão fazer os milhões de mulheres sauditas formadas que precisam trabalhar, que ficam limitadas geralmente a empregos como ensinar em escolas ou trabalhar como técnicas em laboratórios?

Em cima disso, o governo saudita também tem de lidar com a oposição dos religiosos conservadores, que odeiam ver homens e mulheres trabalhando no mesmo ambiente. Isso se fez mais evidente ao longo do último ano quando o governo deixou mulheres sauditas trabalhar em lojas de perfumaria e lingerie nos shoppings.

No caso das lojas de lingerie, homens são proibidos de entrar, mas nas perfumarias as mulheres trabalham lado a lado com vendedores masculinos. Isso deixou furiosos os clérigos, que recentemente se reuniram com o ministro Fakieh para pressioná-lo a proibir a mistura de homens e mulheres no trabalho.

O meu amigo Ahmed al-Omran relata, no site Riyadh Bureau, que o ministro defendeu o conceito de mulheres trabalharem no varejo, dizendo que mulheres faziam isso na época do profeta Maomé, e que nada no Islã proibia isso. Os clérigos não foram persuadidos por esse argumento, e argumentam que isso seria uma ação do ministério para tentar ocidentalizar a sociedade.

No final da reunião os clérigos deram um prazo de um mês para o ministro reverter a política de deixar mulheres trabalhar no varejo, senão eles irão rezar para Deus dar-lhe um câncer. Fakieh respondeu que não ia tentar justificar sua decisão, e que qualquer um dos clérigos podia mover um processo judicial contra o ministério se não gostasse das políticas do governo. “Se um juiz decidir que temos que reverter a política, aí sim, nós iremos mudar a lei”, disse o ministro.

O país hoje tem 28 milhões de habitantes e um PIB per capita de US$ 22 mil por ano. Nos anos 1990 o PIB encolheu, chegou a US$ 6.500 per capita em 1999, quando o preço do petróleo, o principal produto exportado pelo país, despencou. Isso pode acontecer de novo, e com a corrupção engolindo cada vez mais da renda bilionária do petróleo, a nova geração de sauditas, que está cada vez mais ligada ao mundo e reivindicando seus direitos, não vai deixar barato se sofrer uma brusca queda de qualidade de vida, gerada por incompetência dos governantes.

Encorajar mulheres sauditas a trabalhar será bom para a economia e ajudará a garantir um padrão de vida melhor para todos os sauditas. Os clérigos têm que sair das cavernas dos seus preconceitos, e aceitar que mulheres trabalhando lado a lado com homens, num ambiente seguro e de respeito, não é pecaminoso e nem o fim do mundo. A sujeira está na mente deles, e é um problema que eles vão ter que resolver sozinhos — sem tirar o direito de cada mulher ganhar seu sustento fora de casa, se assim desejar.

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