sexta-feira, novembro 02, 2012

Minha frustração: nunca fui do JT - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO


O Estado de S.Paulo - 02\11


Nunca trabalhei no Jornal da Tarde, mas vivi sua época. Era um assombro. Novo, ousado, espantava pela audácia. Todo jornalista invejava a equipe que produzia o JT. As primeiras páginas, as fotos explodindo, os grandes títulos, a inteligência dos textos, as reportagens imensas, bem escritas. Os furos que dava. Foi um tempo que exigia bons redatores. Jornalismo para o JT era sinônimo de escrever bem. Durante minha carreira conheci apenas três jornais que causaram tal impacto - o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, o Última Hora¹, do Rio e de São Paulo, e o Jornal da Tarde. Nós, dos outros jornais, dizíamos do JT: é a "cortina do queijo fresco", por seu enorme número de mineiros em sua equipe. Da mesma maneira, diziam do Última Hora, é a "cortina do jabá", porque nela predominavam profissionais vindos do Nordeste, principalmente do Recife. Não havia preconceito nas expressões, apenas humor nas definições, era época da Guerra Fria, da "cortina de ferro" soviética, tudo era "cortina" para lá e para cá.

Agora, inveja do JT, tínhamos. Porque era o povo mais bem pago e mais bem vestido da imprensa. Ao menos, era o que pensávamos, imaginávamos. A cada edição, comentávamos: eles podem fazer tudo o que querem. Quando ele surgiu, todos dissemos: nossa, há futuro para nós, há futuro para a imprensa, haverá sempre inovação, revolução. Quando nasceu o JT, o Última Hora onde eu havia trabalhado nove anos, estava agonizando. Criado sob a égide de Getúlio Vargas, era um dos poucos a sustentar Jango, o que foi banido pelos militares em 1964. Fechado em abril, ao ser reaberto, trazia profundas brechas, pois Samuel Wainer, seu criador, tinha se exilado, muitos profissionais tinham sido presos ou estavam desaparecidos.

Tinha sido o jornal que mudara o design da imprensa. Nada mais de textos na primeira página e sim chamadas e fotos. Era um jornal alegre, vistoso nas bancas. Não vendia assinaturas. Quando o legendário bandido Promessinha foi preso, o UH estampou sua foto em página inteira, nada mais. Um assombro. Promessinha foi vivido no cinema por Reginaldo Faria no filme Cidade Ameaçada, dirigido pelo Roberto Farias. Os Farias eram uma família que começava a pontificar e está aí até hoje. O UH foi vendido à Folha, que depois de alguns anos o retirou de circulação por razões empresariais. Na verdade, já estava morto, Otavio Frias tentou lhe dar uma sobrevida.

Vi o fim do Jornal do Brasil. Testemunhei o desaparecimento do Última Hora e agora acompanho o adeus do Jornal da Tarde. Este, quando surgiu, era a esperança, o futuro, tudo parecia indicar que tinha sido descoberta a fórmula. Um tanto complicada pela mistura de valores como inteligência + talento + impetuosidade + coragem + experimentações + alma + arrojo + certa dose de loucura, sem falar em temeridade e imprudência, necessárias a tudo que é novo.

Confesso que várias vezes tentei entrar para o JT. Avisava amigos, solicitava interferências, me exibia, mandava currículos, ainda que meu currículo dissesse apenas: repórter de UH, crítico de cinema, editor do caderno de variedades. Nada. No fim, ficou apenas o sonho. Fui trabalhar em revistas mensais, mudei o rumo, mas cada vez que apanhava o JT, eu me lembrava desse sonho. No fundo, o JT entrou num espaço que tinha ficado vazio na imprensa paulistana: o dos leitores da tarde. Antes, a Folha tinha tentado ocupá-lo com a Folha da Tarde e o Última Hora com sua terceira edição, cheio de cores vermelhas na primeira página, que ia para a bancas às 13 horas.

Quarta-feira, o JT terminou de vez. Coincidência ser hoje o Dia dos Finados? A vida, tenho dito aqui, é uma coleção de perdas. Perdemos pessoas amadas, perdemos amigos, perdemos ídolos que admiramos. A vida profissional, também. Nunca fui demitido², mas vi os grandes jornais e revistas morrerem em torno de mim. Momentos fundamentais de minha vida desapareceram. Publicações que acrescentaram, como os gibis a Vida Infantil e Vida Juvenil, a Edição Maravilhosa, O Cruzeiro, Manchete, Cinelândia, Cena Muda, Anhembi, Realidade, Diário Carioca, Correio da Manhã, Revista da Civilização Brasileira, Pasquim, Opinião e Movimento, Suplemento Literário do Estadão (felizmente hoje temos o Sabático). Agora, o Jornal da Tarde se despediu. Num momento em que discutimos a própria permanência da mídia impressa (essa tão odiada pelo PT que a culpa de todos os males, até do tsunami Sandy), um símbolo se acaba. E nunca trabalhei nele.

¹ Sendo jornal, a maioria dizia o 'Última Hora'. Mas nós, do jornal, por afeto, carinho, dizíamos a 'Última Hora'

² Na verdade, fui demitido uma vez, no fim dos anos 70, da Editora Três. No mesmo momento em que me demitiam, Luis Carta e Domingo Alzugaray me encarregaram, como free-lancer, de um projeto que me sustentou por dois anos, o 'Dicionário Biográfico Universal', série de fascículos. Mais tarde deletaram meu nome da edição do 'DBU'

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