FOLHA DE SP - 31\10
"VESTIBULANDA FAZ prova na primeira fase da Fuvest", diz a legenda -e você presta atenção à foto porque vestibular é um dos seus assuntos preferidos, claro. "Em dia mais quente do ano, paulistanos buscam parques para se refrescar", diz a legenda -e você observa a mulher de biquíni, sobre a grama, pois está preocupado com o aquecimento global, óbvio. "Em protesto contra a caça às baleias, em Helsinque, finlandesas tiram a roupa diante da embaixada do Japão", diz a legenda -e você se demora nas rebeldades por puro amor aos cetáceos, é evidente.
Sejamos francos, meu caro: nem Fuvest nem calor nem baleias, o que te atrai nas fotos são as mulheres bonitas -essas intrusas que, vira e mexe, surgem nas páginas do jornal. Podem brotar no Esporte: "Atleta russa salta com vara no campeonato mundial de atletismo"; no Equilíbrio: "A veterinária Andressa Vieira alonga-se durante pausa, no trabalho"; em Mundo: "Jovens vão às ruas contra cortes sociais, em Barcelona". Enquanto passa manteiga no pão, você sorri por dentro, feliz pela súbita irrupção da beleza entre propinas, terremotos, chacinas e outros ingredientes indigestos de seu café da manhã.
Há quem possa ver na aparição dessas belas mulheres uma estratégia para vender jornais. Parece-me o contrário: menos o jornal aproveitando-se da beleza para valorizar-se do que a beleza usando o jornal para propagar-se. Começa lá com o fotógrafo que, no meio do campeonato, da passeata, do corre-corre, é capturado por um sorriso, um par de pernas, uma covinha e, não tão atento à pauta quanto às reações que milhões de anos de seleção natural desencadeiam em seu cérebro, contrai quase que inconscientemente o indicador, clicando a moça. Mais tarde, na redação, o editor de Fotografia será tocado pela mesma discreta euforia: entre senadores e coquetéis molotov, contêineres e operários, dará com aquele sorriso, aquele par de pernas, aquelas covinhas, "por que não essa foto aqui, olha só? Passa bem a ideia" -dirá, fingindo, talvez a si mesmo, que é a precisão jornalística, a adequação ao tema, as faixas ao fundo, a luz, os camburões ou o diabo a quatro o que importa, não simplesmente a beleza, a irresistível beleza de uma mulher que o atrai. Já de noite, o pessoal da Primeira Página padecerá do mesmo prosaico e ancestral en-canto, fazendo com que, entre o Joa-quim Barbosa e o Lewandowski, entre drones norte-americanos e homens-bomba iraquianos, acima de escombros na Síria e abaixo das árvores derrubadas pelo furacão Sandy, em Nova Jersey, uma linda moça surja, sobre os capachos de milhares de lares brasileiros.
Eu sei, sei que vivemos uma supervalorização da beleza, uma idealização da juventude, uma fixação que nasce em algum lugar entre as propagandas de sabonete e o medo da morte, mas não é disso que estou falando. Já existiam mulheres bonitas antes de inventarem o sabonete, continuarão existindo depois que estivermos todos mortos. Não podemos apenas admirar e sorrir, enquanto passamos manteiga no pão, antes de voltar às propinas, aos terremotos, às baleias, aos cortes sociais e outros ingredientes indigestos de nosso café da manhã?
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