FOLHA DE SP - 31\10
Faz parte da mitologia recente da política econômica afirmar que o desempenho fiscal do governo, em particular na esfera federal, abriu espaço para a redução de juros. Não por outro motivo o Copom faz menção explícita às hipóteses acerca do resultado das contas públicas quando prevê a inflação, além de destacar o papel da geração de superávits primários no arrefecimento do “descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta”, o que contribuiria para reduzir as tensões inflacionárias.
O que se observa, todavia, é uma piora consistente do resultado fiscal, a tal ponto que, de forma muito (ou nada?) sutil o próprio BC, não exatamente conhecido por sua capacidade de confrontar as pressões advindas do Ministério da Fazenda, admitiu que a postura de política fiscal mudou, de neutra para expansionista.
Mais (ou menos?) sutil foi a alteração na ata do Copom, que até agosto, afirmava sua convicção quanto à geração de um superávit primário equivalente a 3,1% do PIB “sem ajustes”. Agora, sem maiores explicações, a expressão “sem ajustes” simplesmente desapareceu do documento, deixando claro, ao menos para os hermeneutas das atas do Copom, que o gato fiscal subiu no telhado.
De fato, à luz do superávit registrado até o momento (R$ 55 bilhões) está claro que não há a menor possibilidade do governo atingir a meta fiscal (R$ 97 bilhões) sem recorrer a algum truque contábil, o significado nada oculto de “ajustes”. Resta saber quem levou o felino telhado acima.
A ler o que sai na imprensa, a sugestão parece ser que o problema se originou – a exemplo do que ocorre hoje com algumas economias desenvolvidas – da fraqueza da arrecadação por conta do crescimento tímido. Já eu vejo dois problemas com esta explicação.
O mais direto é que tal diagnóstico não sobrevive bem ao teste dos fatos. Em que pese certa desaceleração da arrecadação, a verdade é que muito, senão a maior parcela, do desempenho fraco resultou de desonerações promovidas pelo próprio governo federal, cujo objetivo, principal ou secundário (mas sempre de forma intencional), era o de atenuar pressões inflacionárias atuando diretamente sobre os preços, no caso pela redução pontual de alguns tributos. Apenas no caso da CIDE, reduzida para evitar que o reajuste de combustíveis chegasse ao consumidor, a perda de arrecadação até agora é da ordem de R$ 5 bilhões, devendo atingir perto de R$ 7 bilhões no ano.
Mais importante que isso, todavia, é a própria dinâmica fiscal brasileira. A triste verdade é que o governo planeja seu orçamento tendo como base a suposição que a arrecadação sempre crescerá o suficiente para bancar a gastança.
Não é por outro motivo que os gastos públicos crescem ininterruptamente. Ao invés de determinar os gastos de acordo com a necessidade efetiva da sociedade e critérios claros de distribuição de recursos, a prática da política tem sido simplesmente aumentar o dispêndio confiando na capacidade da Receita Federal bancar o jogo extraindo recursos adicionais do setor privado.
Neste ano, por exemplo, a despeito da choradeira federal, a verdade é que o total arrecadado, medido como proporção do PIB, supera o registrado no mesmo período de 2011 (apesar de receitas extraordinárias no ano passado). Posto de outra forma, o problema em 2012 reflete menos a moderação do crescimento das receitas e mais a expansão continuada do gasto.
E é por conta disso que o governo federal terá que, mais uma vez, por sua imaginação contábil à prova para fingir que atingiu a meta. É irrelevante se serão descontados os investimentos do PAC, os gastos com saneamento, ou a soma dos CPFs do segundo escalão da Fazenda. Ao final das contas o que sobra é um governo que a cada dia cabe menos no PIB, não porque investe mais, mas porque se acostumou a ser financiado com parcelas crescentes da renda do resto da sociedade.
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