CORREIO BRAZILIENSE 03/07
uma palavra política, quando bem colocada, pode ter mais força do que horas de discurso jurídico. Foi com esse espírito que o senador Demóstenes Torres aceitou o conselho de seus advogados e estará todos os dias na tribuna da Casa, até o dia da sessão fatal. A atitude de Demóstenes tem, à primeira vista, apenas o sentido de se defender, uma vez que ele estreou ontem apenas negando todas as acusações que pesam contra ele, especialmente, a de usar o mandato para ajudar um contraventor, no caso, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Mas Demóstenes quer mais com esses discursos, reservados e decididos a funcionar como o epilogo de uma novela que se arrasta há 126 dias. Na fala de março, quando ele negou qualquer relação mais próxima com Cachoeira, mostrava-se altivo. No limiar da arrogância. O comportamento foi mudando dia após dia, no ritmo em que iam surgindo mais diálogos entre ele e o contraventor, divulgados a conta-gotas. Chegou ao ponto de o senador dizer em alto e bom som: "Não sou mais o Demóstenes". Ao mencionar essa frase, deu asas a versões sobre uma dupla personalidade ou atitude — no Senado, seria o destemido promotor, ao passo que, em Goiás, aceitava os deslizes do amigo Cachoeira.
Por falar em personagem
Agora, com os discursos de ontem e ao longo dos próximos dias, Demóstenes se prepara para unir essas duas figuras. Nos meandros de cada negativa que fez para contrapor as acusações de uso do mandato em benefício do contraventor, está a vontade do senador de revisitar e revisar a própria biografia. No intuito de preservar o mandato, o limiar da arrogância a que chegou a sua fala de março foi substituído por uma humildade absoluta e pedidos infindáveis de perdão àqueles que o apoiaram no início desse longo caminho.
O probelma entretanto, não está resolvido. Até porque, Demóstenes não abriu sua fala a comentários de seus próprios colegas, os chamados apartes. O senador Pedro Taques (PDT-MT), por exemplo, não integra o Conselho de Ética. E, como integrante da CPI, não teve a chance de fazer perguntas públicas ao colega, uma vez que Demóstenes se recusou a falar naquele colegiado, seguindo àrisca o conselho dos advogados. Ontem, Taques, um dos poucos em plenario, esperava tazer perguntas. Não conseguiu. Ao não permitir apartes, Demóstenes abriu a guarda para que seu discurso fosse lido como mais do mesmo, perdendo substância como fator capaz de recuperar os resquícios do tempo em que a presença dele era um verniz à imagem do Senado.
Por falar em verniz...
A estratégia de Demóstenes, entretanto, é inédita. Nunca um senador às vésperas de ser julgado pelos próprios colegas passou dias a fio na tribuna, ampliando o tempo de defesa. Mas não lhe resta alternativa, a não ser trilhar pela estreita picada na mata e voltar, nem que seja por um curto espaço de tempo, a ser aquele Demóstenes acostumado a cumprimentos efusivos por integrantes do chamado clube dos "intransigentes", capitaneado por Pedro Taques e Randolfe Rodrigues (PSoL-AP).
Ninguém acredita, entretanto, que as falas sirvam de poção mágica ou reversão de expectativas. O semblante de Demóstenes, dentro do elevador, quando um repórter lhe perguntou se ele esperava "reverter" a cassação com os discursos, denunciava as poucas chances dessa virada, digamos assim. Na hora, o senador olhou para o advogado, que intercedeu e tratou a pergunta como pré-julgamento. No fundo, Demóstenes sabe que ali a decisão é política e tem plena consciência de que seus colegas preferem seguir para o recesso sem o peso de preservá-lo e, depois, serem obrigados a dar explicações nos palanques. E, de mais a mais, contra a unanimidade demonstrada no Conselho de Ética, sobram poucos argumentos. A tendência de cassação permanece. E, até o presente momento, nada indica que mudará.
Por faiar em palanques...
Pedro Taques e Blairo Maggi (PR-MT) estarão no mesmo palanque na disputa pela prefeitura de Cuiabá. Ambos apoiam Mauro Mendes, do PSB. A capital matogrossense é mais uma cidade importante onde PSB e PT competem entre si. Depois, ainda vêm os socialistas tentar convencer a todos que está tudo nos conformes entre os dois partidos. Vale lembrar que PFL e PSDB começaram a brigar assim há alguns anos. Mas essa é outra história. Essa semana, além do caminho de Demóstenes, resta saber o que será do fator previdenciário, em pauta hoje na Câmara. Esse sim, um problema bem mais imediato sara o governo resolver do que o embate eleitoral entre os aliados.
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