terça-feira, julho 03, 2012

Fóssil jurídico - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE S.PAULO - 03/07


SÃO PAULO - Não sou de dar razão aos iranianos, mas, se um país prevê a pena de morte em sua legislação e a aplica, execuções públicas são a consequência racional. Na verdade, as autoridades de Teerã poderiam ser recriminadas por não televisionar em horário nobre os enforcamentos, tão horripilantemente relatados por meu amigo Samy Adghirni na Folha de domingo.
Se há uma posição que não faz sentido é a dos EUA, de utilizar a sanção capital, mas aplicá-la quase envergonhadamente, mantendo-a tão asséptica quanto possível. Para entender melhor o que está em jogo, é preciso voltar às duas concepções básicas de Justiça. A mais antiga é a lei de talião, o "olho por olho, dente por dente" da Bíblia. Tecnicamente, leva o nome de justiça retributiva. Não difere muito da vingança. Aplica-se a pena porque o réu a "merece", noção que só faz sentido quando se dispõe de Deus ou outra muleta metafísica que sustente uma ideia de justiça perigosamente platônica.
Esse conceito começou a ser questionado no século 18 por autores como Cesare Beccaria e Jeremy Bentham. A partir daí ganhou força a noção utilitarista de que a pena tem como objetivo não a punição pela punição, mas a manutenção da ordem. O criminoso até pode ser isolado da sociedade para não voltar a delinquir, mas o propósito da sanção é desencorajar outras pessoas de imitá-lo. Daí a necessidade de processos públicos.
O problema com a pena capital é que ela não passa de um fóssil jurídico. Pesquisas nessa área são um campo minado ideológico, mas os melhores trabalhos sugerem que seu valor dissuasório, se existe, é muito baixo. Quando se considera a probabilidade de erros judiciais e irrevogabilidade da morte, o menor lampejo de racionalidade recomenda aboli-la.
Essa, aliás, seria uma proposta interessante para o governo enviar ao Congresso, já que, tecnicamente, a pena de morte ainda existe no Brasil em caso de guerra declarada.

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