quinta-feira, junho 07, 2012

O conto do voto - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 07/06

Em política, assim como na vida, vale o ditado: quando a esmola é demais, pobre desconfia. E, se observarmos o histórico de alguns temas polêmicas que parecem encantados na pauta do Poder Legislativo, essa sabedoria popular se encaixa perfeitamente na forma como a Casa pretende avaliar o fim do voto secreto. Esse tema volta e meia volta à baila, especialmente, quando há um processo de cassação pairando sobre a cabeça de algum senador. O difícil é o voto aberto virar lei. E, da mesma forma que se conhece o visitante pelo arriar da mala, o jeitão do desembarque da proposta no plenário merece uma lupa.

Vejamos o cenário. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), abriu a possibilidade a todas as propostas de emendas à Constituição que tratam desse assunto entrarem em debate. São três. Em comum, a referência ao fim do voto secreto para casos de quebra de decoro parlamentar. Há variações quando se trata de vetos presidenciais e aprovação de autoridades.

Por mais que os autores das propostas tenham a melhor das intenções ao apresentarem seus projetos, o fato de haver três propostas tratando do assunto em diferentes níveis abre trilhas para não haver uma decisão na semana que vem. E nem precisa ser um grande especialista em regimento para saber que vem por aí uma grande gincana regimental. A percepção nesse caso é a mesma de um leigo em metereologia que, de tanto observar o clima, é capaz de calcular a extensão de um temporal só de ver o tamanho das nuvens carregadas. Às vezes, esse cidadão se engana, mas invariavelmente acerta.

Por falar em enganos…
Não podemos esquecer que, embora o Senado tenha obtido uma renovação expressiva na última eleição, é preciso avaliar como funciona a cabeça das excelências. Em 2007, o líder do maior partido no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sobreviveu a um massacre perante a opinião pública graças ao voto secreto. Foram 40 votos pela absolvição, 35 contra e seis abstenções. Nenhum senador deixou de votar, fato raro na história.

Ali, há um número significativo de senadores que olham para Renan com aquela sensação de “eu posso ser você amanhã”. Em suma, precisar de um voto secreto para escapar de algum malfeito de grande repercussão, capaz de provocar uma carga pesada dos meios de comunicação ou de parte dos senadores — o próprio Demóstenes já foi um desses algozes no passado e hoje está numa situação difícil. Daí, a necessidade de verificar os meandros das sessões dedicadas à análise da PEC do voto aberto.

Por falar em meandros…
Não é de hoje que os senadores conseguem escapar dessa apreciação. Foi assim em 2000, quando da votação — e violação do sigilo dos votos — que selou a cassação de Luiz Estevão, acusado de envolvimento no caso da construção da sede do TRT de São Paulo. Houve outro movimento pró-voto aberto quando da absolvição de Renan. De lá para cá, muita coisa mudou. O Congresso se viu empurrado a aprovar a Lei da Ficha Limpa. Essa semana, para dar uma resposta à sociedade, fechou um pouco mais o cerco à lavagem de dinheiro. Há um portal capaz de proporcionar o fim do voto secreto.

O receio é essa proposta terminar na canaleta como ocorre com as tentativas de votar a reforma política e a tributária algo que todos dizem querer, mas não há consenso. O mesmo pode ocorrer com o fim do voto secreto. Na Câmara, o primeiro turno foi votado em 2006 e nunca mais. Agora, no Senado, certamente, virão muitas emoções.

Por falar em emoções…
Agosto, mês escolhido para o julgamento do mensalão, é o mesmo do início do horário gratuito de rádio e TV. Não dá para esquecer que esse mês sempre mexeu com os supersticiosos. A erupção do Vesúvio que destruiu Pompéia em 79 d.C.; o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954; a população de preto nas ruas pelo impeachment de Fernando Collor, em 1992. Vem aí mais um agosto para ficar na história.

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