terça-feira, junho 26, 2012

A internet BR faz 20 anos - PEDRO DORIA


O GLOBO - 26/06

Na semana seguinte à Rio 92, quando todos os chefes de Estado e especialistas e diplomatas já haviam deixado a cidade, ficou uma herança. Ganhamos de presente a internet. Antes da conferência, só era possível entrar na rede através de umas poucas universidades. O Laboratório Nacional de Computação Científica, próximo à UFRJ da Praia Vermelha, no Rio, Unicamp e USP, em São Paulo. Para ter conta, só sendo professor e aluno com autorização por escrito. Ou, uns parcos, que acessavam contas piratas nessas mesmas universidades (colunistas de jornal, dizem, eram uma praga). Aí veio a Rio 92, o Ibase, e tudo mudou.

A internet brasileira tem muitos pais, engenheiros que, desde 1986, lutaram dentro de suas instituições para ligar a academia à rede tão fundamental para a conversa científica. Mas foi um deles que trouxe a internet para fora dos campi: Carlos Afonso, o C. A.

C. A. fora companheiro de Herbert de Souza, o Betinho, no exílio. De volta ao Brasil, fundaram juntos, em 1981, o Ibase, uma ONG preocupada em democratizar acesso a informação. E, para ele, mesmo em princípios da década de 1980, informação e computador caminhavam juntos. Pode parecer evidente, hoje. Não era tão claro assim.

Se o Brasil parece burocrático hoje, houve o tempo em que tudo era muito pior. E conseguir permissão para se conectar (caro) à rede via Embratel exigia o impossível e mais um pouco. A conferência da ONU, porém, abriu espaço para mudanças. Estrangeiros no país precisavam de internet. E havia, no Ibase, uma pessoa que sabia montar essa infraestrutura. C. A. criou um provedor de acesso permanente. Quando a conferência terminou, o Ibase e seu Alternex permitiram que qualquer um, em troca de uma taxa mensal, tivesse sua conta naquela rede misteriosa. O e-mail da geração de pioneiros da internet pátria terminava em arroba ibase.apc.org.

Não era uma internet que o típico usuário de hoje reconheceria. Não havia web. Quer dizer, havia. Mas a web, que nasceu em 1989, era pequena, só rodava em texto, não tinha qualquer gráfico, quanto mais som. Os dois serviços mais populares na internet de antanho, implementados pelo Ibase, eram Gopher e Usenet. A Usenet era uma gigantesca base de fóruns de discussão, a avó do Facebook. De teatro shakespeariano a pornografia, passando por piadas e mecânica quântica, tudo tinha sua conferência na Usenet. E, exatamente como hoje, as conversas eram instigantes e emocionadas às vezes, surpreendentemente grosseiras noutras. Algumas coisas, na internet, não mudam.

Na ausência da web gráfica, Gopher era a maneira fácil de acessar a rede. Em vez de decorar comandos em texto no sistema Unix, tudo no Gopher se encontrava num menu hierárquico. Um diretório de livros on-line, por exemplo, poderia oferecer a lista dos tópicos. E, assim, via Gopher, seguia-se de diretório em diretório até encontrar o desejado. Naquele tempo sem Google, busca era algo que se fazia via Archie ou Veronica. Como era pequena a internet.

A história de como o Ibase do Betinho trouxe a internet para os brasileiros ainda tem de ser melhor contada. É uma história que envolve muito improviso tecnológico feito por gente extremamente capaz, muito drible nas restrições impostas por burocratas e, principalmente, visão.

Visão porque ninguém tinha como saber que a internet explodiria. Aquele período entre meados de 1992 e 1995 marcou um tempo em que a rede era quase um hobby para gente ligada em computador (já viciava). E, muito hábil, a turma do Ibase rapidamente implementou o acesso via SLIP e, depois, PPP, as misteriosas siglas que permitiriam a seus usuários navegar usando Mosaic. Popularizado a partir de finais de 94, foi o primeiro navegador gráfico, antes de Netscape, antes do IE. Uma web de páginas com fundo cinza, links azuis e roxos. Já tinha imagens e parecia coisa doutro mundo. O Gopher estava fadado à rápida extinção.

Quando percebeu que a internet ficaria grande muito rápido, a Embratel ainda tentou garantir seu monopólio do acesso. Não conseguiu. A privatização das telecomunicações também estava começando. A Rio+20 não deixou, nem teria como deixar, uma herança destas. Mas ela marca, também, os 20 anos da nossa internet.

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