segunda-feira, março 26, 2012

Os melhores professores para as piores escolas - MARIA ALICE SETUBAL

FOLHA DE SP - 26/03/12

Sistema de bônus cria competição danosa e afasta bons professores dos alunos ruins; a educação não é como o mercado, em que a concorrência pode ser saudável



No momento em que o Ministério da Educação anuncia o novo piso nacional dos professores, discutido pelos principais editoriais do país, faz-se necessária e urgente a defesa da valorização do professor, principal agente da educação.

Sem o reconhecimento da profissão, não alcançaremos uma educação de qualidade compatível com os desafios da sociedade contemporânea e com a posição brasileira de sexta economia mundial.

Além de dominar o conteúdo a ser ensinado, o professor precisa se responsabilizar pelo aprendizado de seus alunos. Para estimular esse compromisso, muitas secretarias de educação criaram um sistema de incentivos e bônus relacionados aos resultados dos alunos e das escolas.

Se, a princípio, tal medida parece acertada por se basear no mérito, por outro lado ela gera uma competição por recursos entre as escolas que é danosa ao sistema educacional. A educação não deve e não pode ser tratada como o mercado, em que a concorrência pode ser saudável.

Temos um sistema educacional extremamente desigual e, por isso, competição e incentivos, se não implementados com cautela, poderão gerar maiores desigualdades.

Professores e outros profissionais do ensino irão buscar escolas mais bem avaliadas ou trabalharão somente com os alunos com maiores recursos culturais. Assim, receberão mais altas recompensas, gerando um fosso ainda maior entre pobres e ricos, pois as escolas da periferia dificilmente serão escolhidas por docentes estáveis e concursados.

Assim, escolas localizadas nessas áreas precisam de políticas especiais, articuladas com seus territórios e comunidades. Elas precisam de apoio das outras escolas do entorno melhores avaliadas para trocar experiências, rompendo com a lógica de competição. Caso contrário, continuarão isoladas, incorporando todos os problemas da alta vulnerabilidade e da exclusão social.

Países como o Canadá e a Finlândia, além da cidade de Xangai, três dos melhores colocados nos exames do Pisa (avaliação educacional internacional), instituem consórcios e arranjos administrativos, criando condições para que escolas de excelências e equipes de professores e diretores desenvolvam projetos e tutorias junto a seus pares com maiores dificuldades.

Além disso, organizam mesas de negociação permanentes com entidades educacionais e alocam os melhores professores para os alunos e as escolas com as piores avaliações.

É necessário atrairmos para a educação os melhores profissionais. Para isso, é imprescindível, de um lado, oferecer plano de carreira, salários dignos, formação e infraestrutura adequadas. De outro lado, é necessário acompanhar e monitorar os seus desempenhos.

Esses profissionais de excelência precisam ser recompensados e alocados nas escolas que mais necessitam deles.

Precisamos de mais cooperação e menos competição. Precisamos ter coragem e ousadia para inverter a relação meritocracia-competição para meritocracia-cooperação -algo que, aliás, está muito mais consoante com nossa cultura.

O professor é o agente central dessa discussão. A sociedade brasileira precisa valorizá-lo de forma que ele tenha orgulho de sua profissão. Precisamos ter, como em outros países, listas de espera para o preenchimento das vagas docentes.

Precisamos de uma educação que contribua para a diminuição das desigualdades, conciliando um sistema que valoriza os melhores professores com um investimento na promoção da equidade entre as escolas e entre os alunos.

É necessário pensar de forma cooperativa, criando arranjos municipais educacionais e a gestão de grupos locais de escolas. Esse é o desafio para potencializarmos nossos recursos humanos para que correspondam à nossa grandeza econômica.

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