ESTADÃO - 24/02/12
Suíça ou Faixa de Gaza? Para onde caminham os juros brasileiros? O Banco Central reintroduziu, recentemente, o debate sobre o nível da taxa de juros real neutra, aquela que é compatível com a estabilidade inflacionária para um determinado ritmo de crescimento. As motivações do BC para a retomada dessa discussão são claras.
Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), os membros da diretoria reforçaram o compromisso de reduzir a taxa Selic para o nível de um dígito, argumentando que as atuais condições macroeconômicas brasileiras e um quadro internacional marcado por mudanças que os diretores consideram permanentes justificariam a decisão de trazer os juros no Brasil para níveis compatíveis com os internacionais.
O objetivo é válido. Afinal, os juros elevados são, reconhecidamente, a nossa famosa "jabuticaba". Mas será mesmo que já temos maturidade macroeconômica para isso? O BC ressalta alguns pontos importantes. Argumenta a favor do aumento da potência da política monetária, derivado, sobretudo, da maior disponibilidade de crédito.
Enfatiza o comportamento das taxas de juros internacionais. Afinal, se essas taxas influenciam os juros brasileiros, a constatação de que estão excepcionalmente baixas sugere que um elemento importante da tendência de queda dos juros brasileiros será preservado. Ao menos até que algumas dessas economias comecem a sofrer as pressões inflacionárias resultantes do excesso de liquidez gerado pela atuação sincronizada de expansão monetária dos principais bancos centrais.
A verdade é que há mais mistérios entre o comportamento da taxa de juros real e o de sua variante estrutural - a taxa neutra - do que sugere a vã filosofia monetária atual. A taxa de juros real neutra é um conceito, não é facilmente mensurável. Assim como os conceitos de crescimento potencial do PIB e de taxa natural de desemprego, a taxa neutra serve para fundamentar a política monetária, mas não para definir o dia a dia da Selic.
Além do mais, as três construções teóricas estão relacionadas. Por exemplo: se o crescimento potencial futuro for menor do que o BC(digamos 3,5%), isso implica uma taxa natural de desemprego mais elevada do que se pensa (algo próximo de 8%). Se esses forem os parâmetros estruturais, a taxa neutra, que o BC parece acreditar ser de 4,5%, não poderá se sustentar nesse nível. Uma conta rápida sugere que os números acima são compatíveis com uma taxa neutra entre 6,5% e 7%.
Eis o cerne do problema. Para tratar da taxa neutra, deve-se discutir as mudanças na economia brasileira que serão capazes de sustentar um crescimento próximo de 5%, com desemprego também neste nível, sem gerar aceleração inflacionária. Tais mudanças envolvem uma discussão sobre as reformas que o País ainda não fez. Sem isso, a ilusão dos juros neutros em 5% é apenas uma fantasia perigosa. Uma constatação derivada de um contexto efêmero. O caminho para Gaza e seus bombardeios inflacionários.
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