sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Brasileiro beija a mão de famoso meia-boca - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO


O Estado de S.Paulo - 24/02/12


Segunda-feira e terça de carnaval, Rua João Moura, deserta. Nestes dias o assunto tem sido a nova ministra da Dilma, Eleonora Menicucci, que mora aqui, e nesta quadra, perto da CPL. Será que ela se junta ao grupo de professoras universitárias que todos os domingos, pela manhã, ocupa as mesas da calçada para conversar? Fará parte do nosso cotidiano, da padaria do José, da sapataria do Pepe, do salão La Bella Donna? Ou agora, por força do cargo, terá batedores, carro blindado, seguranças? Um casal se aproxima. Na rua vazia só há três pessoas: Marika Gidali, Décio Otero e eu. Marika diz que voltou. O seu Stagium é uma instituição na dança brasileira. Os bons povoam o bairro.

Seja pelo tempo que muda repentinamente, seja pelo que for, comecei a semana com faringite. Preocupei-me, ontem falaria aos professores em Santana de Parnaíba. Meu médico estava viajando, fora de área. Ao correr do dia fui diagnosticado pelos habituais "médicos" e loucos:

- Tome Cataflam.

- Faça gargarejos com vinagre, limão e sal.

- Pastilhas de mel e gengibre.

- Enrole no pescoço um lenço com álcool.

- Passe Vick Vaporub na garganta, proteja e não tome friagem.

- Pincele com azul de metileno.

- Coma alho.

- Tome 20 gotas de própolis em meio copo de água.

- Própolis, poejo, guaco e agrião.

- Não tome friagem.

- Não beba gelado.

- Tome anti-inflamatório forte. Tandrilax, por exemplo.

Assim por diante. Se vocês tiverem, podem mandar sugestões. Abri um caderno de variedades, e pensei: Rubem Fonseca lança outro livro? Ou é matéria sobre o filme Mandrake? Nada disso, era a foto de Joaquim Rolla, o empreendedor que criou o Cassino da Urca, lendário, mítico, cuja biografia foi escrita por João Perdigão e Euler Corradi. Se for filmado, já tem um ator, Rubem Fonseca. Cara de um, focinho de outro.

Hoje é sexta, pós-carnaval. Olhando as bancas de jornais, lembrei-me do pós-carnaval nos anos 50. Corríamos para garantir os exemplares de O Cruzeiro e da Manchete. Esgotavam num abrir de olhos. Preferíamos a Manchete, era colorida, bem impressa, as mulheres tinham cor de carne, eram quase palpáveis. Revistas de carnaval nos alegravam com centenas de páginas trazendo mulheres de biquíni, coxas de fora, seios (quase) de fora, bundas à vontade. A maior libidinagem, excitação. Padres e mães de família alertavam: pecado, pecado. Queríamos pecar. Os mais fanáticos garantiam que o Rio de Janeiro era a perdição, o apocalipse. Revistas pós-carnaval iam para baixo dos colchões, para os pais não desaparecerem com elas. A vida sexual era restrita, usava-se a imaginação.

Agora, perdeu a graça. Perdeu mesmo. Tem gente pelada o ano inteiro, em toda parte. Banalizou. Não temos mais gana de ver tanta mulher nua e isso não é por causa da idade. É que quando tem muito melado, a gente se lambuza. Onde não tem mulher nua? Acabou a insinuação, a sugestão, a provocação. É tudo explícito. Quer ver alguém transando? Ligue para o BBB. Coxas, bundas, xoxotas (ou parte pudendas, como se dizia) estão à solta, enchem caçambas. Sabem o que me lembra? Estrogonofe. Antes, era comida sofisticada, o filé flambado em vodca, etc. Caríssimo. Degustado com sabor. Hoje, qualquer restaurante a quilo tem por dois reais. Pena que a sensualidade tenha sido jogada ao lixo.

A poesia da imaginação, da fantasia, a excitação alimentada por nesgas de corpos entrevistos, por um cruzar de pernas, uma eventual calcinha, o início de um seio estão fora de questão. A imaginação foi implodida. Vivemos a era do explícito. Quer ver? Te mostro. Recato é palavra anacrônica. Pudor há muito desapareceu dos dicionários, assim como ética. Mulher pelada ficou igual a corrupção. Tem tanta, tantos praticam, que ninguém mais liga, corruptos são até admirados.

Ou será que as uvas estão verdes? Jovens, perguntávamos: quem pega essas mulheres? Um dia, no Pasquim, Tarso de Castro comentou: "Antigamente perguntávamos quem comia aquelas mulheres lindas. Hoje, respondo: somos nós". E era mesmo, ele teve até a Candice Bergen. Cada bateria de escola de samba tem sua madrinha. Cada uma mais vistosa e imponente e despida que a outra. Li sobre elas. Não é fácil cultivar um corpo fenomenal daqueles. Tem uma que na academia levanta 200 quilos nas pernas. É duro ser madrinha. Em outros tempos, elas sairiam em página inteira, esplêndidas. Hoje, tiveram o espaço reduzido. Na televisão, duram segundos. Sabrina Sato foi a que mais apareceu em São Paulo. Hoje, ela é famosa porque namora um deputado. Ou o deputado ficou conhecido porque namora a Sabrina? Os camarotes do Rio estão à deriva. Achar que Jennifer Lopez é celebridade é estar por fora de tudo. Jennifer só fez filmes de quinta. E os nossos famosos lá no beijão-mão. Mandar buscar o Teló de jatinho mostra a indigência total. Tá ruim a coisa! Vá! Vá! Vá! Como dizia minha avó Branca. Divagações de um prosaico cotidiano com uma lágrima (olá, Daniel Piza) em homenagem à menina morta por um jet ski em Bertioga. Que vai dar em nada!

***

PS: A leitora Satie Okuma Tuacek, de Jundiaí, me corrigiu: naquele início dos anos 60 não existia ainda o gel que eu coloquei nos cabelos dos grã-finos. Devia ser uma brilhantina boa, importada. Porque rico não usava Gumex ou Glostora com aquele cheiro enjoativo.

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