sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Tempo esgotado - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 24/02/12


Chegou a hora de Serra abrir o jogo. Não dá para deixar o PSDB exposto à realização de uma prévia “café com leite”, termo que as crianças usam em referência aos mais novos que entram na brincadeira só para constar
Virou novela. E o pior: novela naquela fase chata, em que você sabe que uma coisa importante para o desenrolar da trama está prestes a acontecer e nada sai do lugar, levando o telespectador a trocar de canal. É nessa fase que se encontra o folhetim paulistano do PSDB. E o tempo de José Serra — apontado dentro do partido como o único capaz de tirar o partido dessa pasmaceira — está no fim, dada a proximidade das prévias, marcadas para 4 de março. 
E venhamos e convenhamos: tudo o que Serra poderia sonhar, conforme escrito aqui há alguns dias, ele obteve. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ouviu de gente de seu próprio partido que era tarde demais para dizer que apoiaria Serra e que largar o PT agora, só mesmo se os petistas dispensassem o PSD. Kassab, entretanto, foi fiel a quem lhe estendeu a mão há alguns anos, fazendo dele candidato a vice-prefeito. Já está dito e redito que seu destino será apoiar Serra de corpo e alma. Mesmo que alguns integrantes do PSD não gostem. 
Quanto ao DEM, há alguns meses, os democratas tinham feito exigências para compor uma aliança. Disseram que só aceitariam ficar ao lado do PSDB, fosse Serra ou qualquer outro nome, se tivessem o direito de indicar o candidato a vice na chapa. Hoje, a turma do já aceita ficar ao lado de Serra, dando-lhe liberdade total para escolher o vice. Ou seja, mais uma pecinha que, há algumas semanas, era considerada “fantasia” na cabeça dos tucanos, acaba de virar realidade. 

Por falar em realidade...Dentro do PSDB de São Paulo, a névoa que causava o receio de abandono no meio da campanha, também se dissipou. Os tucanos ligados ao governador Geraldo Alckmin estão cada vez mais cientes de que, se pode ser ruim com Serra, será muito pior sem ele, uma vez que, em termos de votos em São Paulo, o ex-governador tem bastante e ainda pode ajudar na reeleição de Alckmin em 2014. 
Para completar, o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, declarou recentemente que apenas Serra, diante das circunstâncias, pode servir de resistência ao projeto do PT de matar a oposição no maior celeiro de votos do país, leia-se São Paulo. Era a cereja do bolo que faltava. A cúpula do partido, que há alguns meses tratava o ex-governador e ex-prefeito como página virada, agora lhe rende homenagens. 
Serra, realmente, errou na campanha presidencial. Errou no tempo, tropeçou ao não fazer a defesa das privatizações e deixar que predominasse o discurso do PT, de demonização do processo. Não jogou com a sua turma. Dentro do PSDB, muita gente se recorda que Serra citava apenas as suas realizações enquanto ministro da Saúde, como governador de São Paulo — mas, justiça seja feita, não foi um mau governo. A Nota Fiscal Paulista ganhou versões em vários estados, inclusive a Nota Legal, no Distrito Federal. O programa de atenção aos idosos, idem. 

Por falar em tempo...Uma das críticas a Serra na campanha de 2010 foi o fato de ter demorado a assumir a candidatura. Quando ele saiu candidato, Dilma já tinha tomado para si a simpatia de Lula junto à população, uma vez que passou todos os quatro meses iniciais rodopiando pelas inaugurações ao lado do presidente. Serra, por sua vez, não citava a palavra “candidato”. Dizia que seu trabalho era governar São Paulo. 
Agora, Serra não tem essa obrigação de outros cargos. Pode perfeitamente assumir a candidatura. Mas tem que fazer isso logo. Se não assumir esta semana, antes da prévia de 4 de março, que está à disposição do partido para ajudar na tarefa de barrar o crescimento do PT, Serra terá perdido o timing. Afinal, tudo o que ele queria — e que muitos achavam impossível — aconteceu. 
Chegou a hora de Serra abrir o jogo. Não dá para deixar o PSDB exposto à realização de uma prévia “café com leite”, termo que as crianças usam em referência aos mais novos que entram na brincadeira só para constar, sem valer ponto. Serra só pode adiar essa decisão se não for candidato. Em sendo, para fazer o anúncio depois da prévia, terá que obter a certeza de que os eleitores tucanos votantes optarão por um quinto nome, fora dos que estão colocados. No caso, o dele, Serra. No mais, tudo o que poderia fazer de Serra um candidato de peso está posto. Ou seja, chegou a hora de sair da toca e, como um tucano de bico duro, enfrentar a campanha. Afinal, o ano começa agora. E a campanha, na prática, também. 

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